CAPÍTULO II

RESUMO DO MEU TEMPO DE SEMINÁRIO, IDA PARA LUANDA-ANGOLA - PERMANÊNCIA E REGRESSO

Decorria o ano lectivo de 1956 – 1957 no Seminário (médio) de S. Paulo em Almada, do Patriarcado de Lisboa, sendo seu Reitor o Revdo. Senhor Padre António Gonçalves Pedro e Bispo da Diocese Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira, a quem, milhares de alunos que passaram pelos Seminários de Nª. Senhora da Conceição em Santarém (menor), de S. Paulo em Almada (médio) e de Cristo Rei nos Olivais – Lisboa (maior), muito devem pela educação moral, cívica, religiosa e habilitações literárias, que aqui adquiriram quase a custo zero, visto serem, estes viveiros de futuros Padres e Homens para a Nação, a menina dos seus olhos até à morte; o aluno Seminarista VITORINO JOAQUIM DA SILVA MOREIRA FERNANDES, que apesar de ter feito o 1º ano no Colégio Antero Quental em Paredes – Porto, foi novamente para o 1º ano para o Seminário de Santarém, no ano lectivo de 1952 – 1953, teve sempre como companheiro de Seminário e Curso seu Irmão MANUEL VITORINO DA SILVA MOREIRA FERNANDES (conhecidos pelos irmãos Vitorinos), até às Férias da Páscoa (Março/Abril de 1957), data em que verifiquei que devia abandonar o seminário, de bem com todos os meus Superiores e Colegas, contrariando a vontade de meus Pais, principalmente minha Mãe que queria ver todos os filhos Padres e filhas Freiras e Revdo. Senhor Padre José da Rocha Reis, natural da minha Freguesia de Duas Igrejas – (Perafita) – Penafiel, Prior da Freguesia de Stª. Catarina em Lisboa, familiar e nosso protector que muito sofreu com a minha tomada de posição, mas um amigo de coração, estando sempre presente com o seu Auxílio, de toda a espécie, em todas as horas boas e más de minha vida e a quem jamais esquecerei; grande sofredor com a minha saída foi o Revdo. Senhor Padre Francisco de Freitas Abreu, Abade da minha Freguesia; foi, apesar de conhecer toda a minha rebeldia desde que nasci, o que mais lutou para a minha ida para o seminário, após ter sido excluído, na escolha no estágio que os dois Vitorinos foram fazer em Julho/1952 no Seminário em Santarém, por ter tomado uma atitude de defesa, a uma agressão feita, por um colega, ao meu irmão Manuel Vitorino.

A minha vida depressa voltou à normalidade, visto de boa vontade ter escolhido a mudança, sem nunca ter esquecido aquilo, que, durante alguns anos, tive o prazer de conhecer e aprofundar nos momentos de dúvida, o que do seio familiar me tinha sido ensinado, com muito carinho e respeito; estando a decorrer a 3ª época do ano letivo de 1957 fui para o Colégio do Carmo de Penafiel rever a matéria do 1º. Ciclo Liceal que já há bastante tempo tinha dado no Seminário e não havendo equivalência tive de ir fazer exame ao Liceu Nacional de Guimarães e após ter obtido a Aprovação, meu Pai matriculou-me no 5º Ano (2º Ciclo Liceal), não chegando a frequentar devido ao volte-face total que a minha vida sofreu.

Começando como todos os jovens livres e normais a sentir o prazer mais forte do sexo, (homem, mulher) procurei satisfação e de repente, vi-me envolvido numa teia que a única solução era a saída urgente, para o mais longe possível.

Como sempre, tive um confidente pessoal, neste momento era o meu Querido Pai que prontamente me disse: “Estão cá de Férias o tio Antoninho da Casa Nova com a tia (esposa) vou falar-lhes e vais com eles para o Brasil”. “Pai, faça o favor de desculpar, mas isso nunca” disse eu. E porquê? Porque meu Pai tinha estado no Brasil em novo, na casa destes Tios, ele meu Tio Avô e nunca ouvimos dizer bem dele aos filhos. “Se o Pai não se importar, prefiro ir para Angola, está cá de férias um Senhor e a Esposa, ele Cunhado e ela Irmã do Sr. Dr. Fernando”. De imediato lá fomos os dois, sem que minha Mãe soubesse, ao consultório médico, em Pieres, cumprimentando o Senhor Ramirinho que estava a porta da loja, antes de entrarmos na casa do Sr. Dr. Fernando (Médico Fernando Sabino Pereira Ferraz), que  logo apareceu e meu Pai disse o que queria, tirou o Carro da garagem seguindo, os três, caminho para o Urrô, onde se encontravam instalados o Sr. Luís Morais e esposa Dª. Zita Pereira Ferraz que nos atenderam lindamente, criando um quadro negro de emprego, que eu fosse e quando chegassem se havia de ver alguma coisa e que uma das esperanças seria no sector de peças do ramo automóvel ou na fábrica de farinha de peixe que o Sr. Luís Morais estava a construir no CACUACO, uma povoação piscatória a uns 15 Kms de Luanda.

Meu Pai entusiasmou-se de tal ordem e no dia seguinte foi ter com o Sr. Albano de “Albano & Miguel” – Penafiel pedindo-lhe se me deixava ir estagiar algum tempo para a Secção de Peças, na Oficina do Sameiro, sem qualquer compromisso financeiro para a firma, contando-lhe a situação, obteve resposta positiva e logo que quisesse. Estávamos em Julho/Agosto de 1957, 17,5 anos de idade. Tinha como instrutor um jovem, quase da minha idade, tratando-nos por tu um ao outro, de sobrenome Queiroz, muito educado e com uma vontade de ensinar extraordinária, aprendizagem muito útil pela vida fora.

A minha ida para Angola – Luanda tinha de ser com viagens pagas ida e volta, porque não tinha carta de chamada, era a lei vigente à data, mas logo procurei resolver o problema indo ter com o meu Querido Avô Paterno (Vitorininho da Fonte), Vitorino Moreira Fernandes, oriundo da Quinta da Casa Nova, a quem chamávamos Paizinho e por sinal meu padrinho de Baptismo, contando-lhe toda a situação, concordou, oferecendo-me o dinheiro correspondente para uma viagem e mais uns trocos. Estando assegurado o mais importante; de imediato desloquei-me ao Porto, na Carreira do Alberto Pinto (VALPI), em fins de Setembro/1957, contactando a Empresa Nacional de Navegação – Praça do Infante, fui informado do custo da Passagem Ida-Volta em Paquetes de Passageiros – 1ª, 2ª ou 3ª classes, mas que para 1957 e até Julho/1958 não havia vagas, fiquei triste como a noite, devido à situação aflitiva de momento, apenas tinham alguns lugares no Navio misto INDIA que adaptaram os porões em camaratas para dar vazão ao fluxo de pessoal para Angola e sairia do Porto de Leixões a 18 de fevereiro de 1958, nova alma me nasceu, não hesitei um segundo em deixar a marcação feita, tal era a vontade; e no dia seguinte voltava ao Porto já com o dinheirinho na mão, para em definitivo ficar tudo legal, sobrando-me 2.600$00 (Dois mil e seiscentos escudos) um dinheirão, naquela altura.

Meu Querido Pai procurou mentalizar a Minha Querida Mãe de que eu brevemente iria para a C.U.F. do Barreiro, visto o Senhor Padre José da Rocha Reis (meu protector) ter-me arranjado emprego, por sinal se vinha falando de tal hipótese desde que saí do Seminário, devido à grande amizade entre o Sr. Pe. José e o Senhor Manuel de Melo; começando meu Pai a falar e a tratar do enxoval, indo comigo aos Peixotos de Penafiel, casa conhecida e de onde meus Pais compravam, para todos nós.

Em Janeiro/1958 fui dar o nome para a tropa (Recenseamento Militar) e ao mesmo tempo pedir Licença Militar no Distrito de Recrutamento do Porto, tendo ido levantá-la nos primeiros dias de Fevereiro.

Tudo preparado chega o dia 17 de Fevereiro de 1958 e depois de me ter despedido dos familiares directos e das amigas que mais me marcaram, vim, apenas com meu Pai, para a residência de meu Tio Pe. Aires Mendes Moreira Fernandes, sita na Rua do Pinheiro Manso; visto depois da sua Ordenação Sacerdotal em 17 de Agosto de 1947, ter sido colocado como Abade da Freguesia de Milhundos–Penafiel até 1953, Coadjutor de S. Cosme–Gondomar até l956 e a partir desta data ser o Capelão das Irmãzinhas dos Pobres do Pinheiro Manso–Porto, um Tio Paterno muito marcante, pois tive o privilégio de nos anos lectivos 1949/1950 – 1950/1951 ter sido seu hospede permanente e ter feito na Escola Primária de Milhundos a 4ª Classe e a Admissão ao Liceu Nacional de Guimarães; e aí pernoitei  sendo-me proporcionada uma sessão de fados e guitarradas executada por amigos Médicos e Universitários que em sua casa se reuniam, ficando-me para sempre gravada, tal noite, bem como alguns dos nomes dos Exmºs. Executantes, Médicos Dr. Vitorino Santana, Dr. Araújinho, Dr. Artur de Mascarenhas, etc.

 

IDA PARA LUANDA-ANGOLA

Às 15H00 do dia 18/02/1958 cheguei com meu Pai e Tio Pe. Aires ao cais de Leixões, onde encontramos alguns passageiros de Penafiel que também iam embarcar, Snrs. Ernesto Silveira ex-chefe de mecânica de “Alberto Pinto & Filhos” – natural de Penafiel, Eduardo Ferreira da Vinha ex-Agente da P.S.P. e seu irmão José Ferreira da Vinha, motorista profissional de viaturas de passageiros e pesados, de Galegos – Penafiel, com quem iniciei uma amizade indescritível e com a hora de partida 16H00  a chegar  começamos a subir a escadaria do navio e já lá em cima vi uma Senhora de lenço – seda  preto atado à cabeça, casaco preto comprido, gritando: “não quero que ele vá!” repetidas vezes, até que descobri que era minha Querida Mãe e apesar da escada se encontrar já em princípio de elevação, o responsável autorizou-me a vir fazer a despedida que comovidamente fizemos, foi chocante.

Uma das queridas, por quem mais me prendi e marcou, era a única que sabia o dia e a hora do meu embarque e por volta das 10H00 foi lá casa, para se despedir, levando duas caixas de meias, cada uma com doze pares e foi quando minha Mãe lhe disse que na véspera eu tinha ido dormir ao Porto, para no dia seguinte ir para Lisboa e daí C.U.F. no Barreiro, a Senhora que era funcionária da desnatadeira (Posto de Recepção de Leite da Sociedade de Lacticínios de Valpedre em Duas Igrejas, de que éramos funcionários responsáveis) e amiga de casa, ouvindo isto, contou toda a verdade à minha Mãe que num ápice chegou a Penafiel tomou um carro de aluguer e se dirigiu a Leixões, onde chegou na hora “H”.

O Navio Índia rumou até ao Porto de Lisboa onde chegou na manhã do dia 19/02/1958, dando tempo para ir ao Seminário de S. Paulo de Almada despedir-me de meu Irmão Manuel Vitorino, de todos os meus Superiores, Colegas e pessoal de serviço amigos, a quem sempre, reconhecido, estive unido pela vida fora. Fui à Igreja Paroquial de Santa Catarina, na Calçada do Combro em Lisboa despedir-me do Sr. Pe. José da Rocha Reis e gente amiga, bem como do Tio Materno Eng. Agrónomo Manuel Soares da Rocha e esposa Tia Berta Santana dos Santos Soares da Rocha e filha Maria Manuela Santana Soares da Rocha (Manã), residentes no Campo Grande nº 105 – 1º – Dtº. – Lisboa; e às 20H00 saímos de Lisboa com destino a LAS PALMAS, onde estivemos umas horas, seguindo rumo a PONTA NEGRA com permanência sensivelmente igual, para, Finalmente, chegarmos ao Porto de Luanda pelas 04H00 do dia 06 Março 1958, tendo começado o desembarque pelas 08H30.

Viagem atribuladíssima, para todos os passageiros que escolheram a classe suplementar que foi instalada no porão. Ao fim de seis dias de viagem, já em alto mar as máquinas bombeadoras dos dejectos avariaram e fomos até Ponta Negra, naquele horrível cenário de ondas fora e dentro do Navio, a ponto de virmos dormir para a proa e ré, tornando-se divertido, pois quase fomos obrigados a passar os dias fora da camarata, com o clima a permitir, sendo compensados com muitos géneros da dispensa, gratuitamente, para fazermos os nossos petiscos, antes e depois do passatempo, com divertimentos normais e de azar, onde me meti, perdendo quase todo o dinheiro que me restava das viagens e de algumas dádivas, mas totalmente recuperado pelo experiente amigo de viagem Eduardo Ferreira da Vinha resgatando tudo numa jogada de mestre, levando-me a nunca mais me ter metido em tais aventuras, durante o resto da viagem.

Os quatro da vigairada eu, Eduardo Ferreira da Vinha, seu irmão José Ferreira da Vinha e Ernesto Silveira, todos de Penafiel, sempre unidos desde que nos conhecemos em Leixões, depois de apreciarmos a deslumbrante paisagem que avistávamos da proa, ré e janelas do navio, observando a indescritível ilha, repleta de enormes palmeiras, cedros, arbustos e um aglomerado de casas que mais tarde, vim a saber tratar-se da base naval de Luanda, pomposa marginal com a sua extensa Avenida Paulo Dias de Novais ornamentada com as, ainda pequenas, palmeiras e alguns majestosos prédios e ao fundo da Avenida via-se um enorme morro onde se encontrava instalada a celebérrima Fortaleza de S. Miguel e defronte a este morro via-se uma ponte que ligava a marginal à ilha; à distância e por detrás do cais as enormes barrocas, com a sua terra avermelhada, sobranceiras a um bairro, da Boavista ou do Caminho-de-ferro, onde se encontravam instalados os grandes armazéns do Café, a estação do Caminho-de-ferro Luanda–Dondo, destacavam-se enormes chaminés de tijolo refractário que davam saída aos fumos dos grandes fornos das fábricas de telhas, tijolos e blocos aí existentes; tendo a apreciar, lá do alto toda esta maravilha da natureza, um bairro, apenas de faustosas vivendas, denominado, dos INGLESES.

PERMANÊNCIA EM ANGOLA DURANTE 17,5 ANOS

Após termos sido controlados pelas diversas autoridades presentes, saímos do navio, alugamos um carro em madeira com 4 rodas, sendo seu condutor o próprio dono, um negro, que no cais fazia vida de bagageiro, pelo preço de 120$00 (Cento e vinte escudos) levando-nos a bagagem ao centro da cidade Rua Pedro Nunes, Pensão Portuense indicada pelo próprio, mas à saída da Alfândega compramos um cacho de bananas que tinha à volta de 15 kg, por 15$00 que fomos comendo durante todo o percurso, passando pelo Mercado da Caputa, velhinho, recheado de tudo, em breve ia fechar e a transferência dar-se-ia, para o novo de “Quinaxixe ou da Maria da Fonte“. Finalmente instalados depois de chegarmos ao acordo do preço da Pensão 1.200$00 mensais, com dormida, comida, roupa lavada e água do Rio Bengo da torneira, ficando num quarto de 2 camas, tendo como companheiro o amigo Eduardo Vinha (Vinhas), havendo um alto mamoeiro, carregado de mamões, defronte à janela, de onde avistávamos as poucas e baixas casas de Serpa Pinto, Parque Heróis de Chaves, cimo da Rua do Casuno, prédio alto das Finanças (Fazenda) na Mutamba, fortaleza de S. Miguel e à distância, um pouco da bela e indescritível Ilha de Luanda, circundada pelo mar. Foi nesta Pensão, filial da Sírius, na rua do Restauração que estive hospedado 6 meses. Milhões de fotos, daquele mamoeiro, me ficaram gravadas na retina, porque estando desempregado desde a data da chegada, 6 de Março de 1958 a 1 de Abril, deitado na cama avistava logo aquela árvore de fruto, chorando e lamentando a pouca sorte. Chegando o fim do mês lá fui pagar como os outros companheiros o correspondente aos dias do mês de Março, indo todo o dinheiro que me restou da viagem, visto os 2.600$00 da caução de regresso ficar retido na Companhia Nacional de Navegação durante 6 meses. Durante o tempo de desemprego eu e o amigo Eduardo Vinhas íamos frequentes vezes visitar uma família de Penafiel, moradores numa vivenda no Largo das Incambotas Sr. Jorge Pereira Ferraz, despachante oficial, esposa Dª. Ilda e filho solteirão Sr. Renato Pereira Ferraz funcionário superior da Casa Americana.

 

MEU PRIMEIRO EMPREGO APÓS A CHEGADA A LUANDA  06/03/1958

O Sr. Renato Pereira Ferraz arranjou-me emprego, lá na casa, começando a trabalhar no dia 1 de Abril de l958, no Cardex (Secção de Peças) para todas as viaturas ligeiras, pesadas, motos e barcos de origem americana, sendo dono da Casa Americana, com sede em Luanda, sita no Largo Sá da Bandeira, defronte ao glorioso Cine Teatro do mesmo nome, com onze (11) filiais espalhadas por Angola, o Senhor João José Mak, de oitenta e dois anos, com uma mobilidade extraordinária, um pedaço de um homem, com 2,10 m de altura, americano, naturalizado Português, depois de trinta e tal anos em Angola, conhecendo-a de lés a lés, agarrado ao volante de um camião pesado, numa época em que era preciso ser-se sofredor, devido a não haver estradas, mas apenas picadas horríveis. Tive como Chefe o Sr. Ganho e Vice-Chefe o Sr. Renato Ferraz. Nesta secção Cardex efectuavam-se, diária e manualmente, na ficha de cada peça, todos os movimentos de peças requisitadas ao Estrangeiro bem como a venda das mesmas, tanto na sede, como nas 11 filiais. Com a minha entrada éramos 5 jovens e todos com idades entre os l8 e 20 anos, sendo o maior vencimento de nós os 5 de 1.900$00 quase com 4 anos de casa. Era chegado o fim do mês e como os outros lá fui receber o envelope onde no seu interior se encontravam 8 notas de 100 Angolares cada (800$00), que tanto recontava, mas não crescia. Ao meu desabafo na Secção, todos me diziam: ”foi esse o nosso 1º vencimento”. Calei-me muito caladinho e fui para a casa de banho chorar, eram quase horas de sairmos. Mal saí, fui todo o caminho a pensar no que iria ser a minha vida, visto ter apenas 50 ou 60$00 que tinham sido muito poupadinhos e sempre julguei ir receber entre 1.400$00 a 1.500$00 mensais, pelo menos que desse para pagar a pensão e sobrar algum para o vício do tabaco. Cheguei à Pensão e estava lá, por acaso, o Senhor Morgado a quem entreguei o dinheiro sem dizer quanto era, esperando que ele o contasse e ouvir a reacção. Contou-o e logo me disse: “Não são 800 escudos, são 1.200 escudos!” comecei de imediato a chorar e respondi-lhe: “Senhor Morgado só recebi esse, não me deram mais!” estava mesmo à espera que me pusesse na rua, mas não, desconhecia o valor que ainda era dado em Abril de 1958 à (Palavra de honra, seriedade, pontualidade para o sim ou não e até com uma desculpa por uma fatalidade devidamente justificada). O senhor Morgado deslocou-se, de imediato, à Secção de Pessoal e falou com o Senhores Izidro Louro e Wander Kellen, Chefe de Secção e perguntou-lhes quanto é que a casa me tinha pago, confirmando a quantia que lhe tinha entregue; voltou para a pensão e uma vez aí, foi ter comigo ao quarto onde me encontrava a chorar que nem uma criança, bateu à porta chamou-me, abraçou-me, deu-me uma palmada no ombro e disse: “És um miúdo, mas tens pensar de homenzinho, toma lá 100 escudos para tabaco, ficas-me a dever 500 escudos”!!. E assim andei nesta situação durante 3 meses, que eram os tais 90 dias de experiência, até que ao 4º mês fui aumentado para 1.300$00, sobrando-me 100$00 que o senhor Morgado não quis receber, ficando com uma dívida de 1.500$00. Os 100$00 tinham de dar e davam-me, porque apenas comprava 2 maços de cigarros suwing, por mês, um de 15 em 15 dias, por 2$70 cada, para os encher, pelo preço de 1$00, de cigarros Franceses ou Francezinhos e ao metê-los na camisa transparente dar uma ideia de marca e o maço estar mais ou menos limpo.

Os meus grandes amigos Eduardo Ferreira da Vinha, nascido a 19 de Dezembro de 1926 e Maria Amélia da Rocha Pereira da Vinha, nascida a 17 de Abril de 1930, casaram na Igreja Paroquial de Galegos – Penafiel, em 10 de Junho de 1957, tendo ele sido meu companheiro de embarque em Leixões em 18 de Fevereiro de 1958 e desembarque, no cais em Luanda – Angola no dia 6 de Março de 1958, esteve desempregado até 1 de Maio, aceitando emprego nos Portos e Caminhos-de-ferro de Angola em Luanda, serviço no cais do Porto de Luanda, respondendo a um anuncio de que precisavam de um Encartado, mas quando lá chegou deram-lhe um carrinho de mão, contado por ele serviu para nos rirmos com vontade; ficando a trabalhar lá como estivador, “alomba sacos“ serviço duríssimo, chegando à Pensão rebentadíssimo e com um vencimento de miséria, mas tendo conhecimento da abertura de um concurso para Guarda-florestal dos Serviços Florestais de Angola, para aí concorreu, ficando à espera, aceitando um lugar que o meu protector Sr. Renato Pereira Ferraz também lhe arranjou, na Casa Americana a ganhar 2.500$00 por mês um bocadinho mais do que estava a ganhar e serviço mais leve, saindo da pensão alugou um quarto à Sr.ª D. Ilda, mãe do Sr. Renato, que servia de quarto, cozinha, sala de jantar e de visitas e uns caixotes a servir de mesa e cadeiras, para receber a esposa “Amelinha” e o 1º filho Zeferino Luís Pereira da Vinha, nascido em Galegos em 4 de Abril de 1958, que desembarcaram no Cais de Luanda em Outubro de 1958, não deixando de continuar a ser uma visita constante; estando nesta situação até 3 de Janeiro de 1959, data em que foi admitido como Guarda-florestal dos Serviços Florestais de Angola e colocado em Malange, com uma mudança radical na vida, aí nasceu o 2º filho José Manuel Pereira da Vinha em l8 de Janeiro de 1960; e de Malange é colocado na Quibala, com residência em Catofe, onde nasceu o 3º filho Eduardo Maria Pereira da Vinha a 17 de Janeiro de 1961 e onde eu fui recebido entusiasticamente, aquando de uma minha vinda a Luanda, como Soldado Milº pronto, quando um pelotão fazia escolta aos Soldados prontos da Escola de Aplicação Militar de Angola em Nova Lisboa, que foram colocados em Luanda, pois já não nos víamos há 3 anos; da Quibala foi colocado em Serpa Pinto onde nasceram o 4º e 5º filhos Agostinho José Pereira da Vinha em 21 de Julho de 1962 e Ildeberto Adão Pereira da Vinha em 27 de Maio de l963; de Serpa Pinto foi colocado em Cabinda onde nasceu o 6º filho Aureliano Fernando Pereira da Vinha em 17 de Junho de 1964; de Cabinda foi para Luanda onde nasceu o 7º filho João Heitor Pereira da Vinha em 20 de Fevereiro de 1973; de Luanda foi novamente para Cabinda e em Junho de 1974 foi para Silva Porto – Bié, onde esteve com a família até Agosto e em Setembro regressa definitivamente a Portugal no Avião da SWISSER devido à situação de instabilidade criada em Angola.

 

MEUS PAIS ADOPTIVOS

Em meados de Agosto de 1958 apareceu um casal na pensão Portuense à minha procura que eu não conhecia, mas o Senhor conhecia meu Pai e Família, fiquei bastante surpreendido e muito mais quando me disseram para no fim do mês arranjar a mala que me vinham buscar para casa deles. Era um casal de Penafiel que eu apenas conhecia a maior parte da Família, Senhor Fernando da Veiga Leite Ferraz, funcionário Superior dos Armazéns da Junta do Café de Angola em Luanda e Dona Maria Aurora da Cunha Merino Ferraz, pais de duas queridas e lindas meninas Maria Manuela Merino da Veiga Ferraz, nascida em Luanda a 16/04/1951 – 7 anos de idade e Maria Albertina da Veiga Ferraz, nascida na Quinta de Baforras, freguesia de Marecos do Concelho de Penafiel a 23/04/1953 – 5 anos de idade. Chegado o dia 31 de Agosto de 1958 o Senhor Fernando Ferraz, acompanhado pela Esposa Dona Aurora, filhinhas Nelinha e Tininha, depois de ter falado com o Senhor Morgado que bem conhecia, deu-lhe uma satisfação a meu respeito e responsabilizando-se pela minha dívida, levando-me para casa dele sita na Travessa João Seca nº 31, na Maianga, onde ocupei os meus ricos aposentos anexos à casa a partir das 19H00 do mesmo dia. Logo comecei a ser tratado como se fosse um filho e das meninas um irmão mais velho, sentindo um carinho e uma ternura indescritíveis, partilhando desde logo do mesmo local das refeições, aperitivos com um Whisky de entrada, o 1º que saboreei nos meus 18 anos de existência, a mesma comida  com abundância e uma confecção extraordinária vinha para a mesa em comum, assim como fruta , bebidas e café com digestivos. No fim de cada refeição gostava de saborear o meu cigarrito, vício que me foi incutido aos 7  anos de idade, pelos criados e jornaleiros que trabalhavam na quinta, nossa casa mãe, propriedade de meus Pais, retirando-me da mesa, acabada a refeição, indo para os meus aposentos, guardando o máximo respeito, como sempre fazia em casa com os meus Pais e meu Pai, já com filhos, aos meus avós; mas, numa destas vezes, fui apanhado de surpresa pala menina Maria Manuela (Nelinha) que logo, numa correria, se dirigiu ao Pai dizendo: n”Paizinho sabes uma coisa?!! O Vitorino fuma!”; de imediato o Sr. Ferraz foi ter comigo dizendo-me: “Vitorino, a partir de agora, não mais o quero ver fumar às escondidas e não precisa de comprar cigarros pois cá em casa há diversas marcas que dão bem para mim e para si”; se mais depressa o dizia, logo o fez mandando a Nelinha entregar-me 5 volumes de 10 maços cada e da marca que me habituei a fumar quando cheguei a Angola (SUWING) e a partir desta data até ao dia 16 de Julho de 1962, data em que definitivamente regressaram à Metrópole nunca mais me faltou o tabaco, visto o Sr. Ferraz, Esposa e Meninas se encarregarem de renovarem o Stok, sempre ao mesmo preço “BORLA”.

Em princípios de Outubro de 1958, já havia um mês, em casa do Sr. Ferraz e Dona Aurora, recebi o vencimento de Setembro 1.300$00, como já o tinha sido em Julho e Agosto, era meu dever de educação e moral fazer, com os meus segundos PAIS, o mesmo que pela 1ª vez fiz com o Sr. Morgado, a entrega total do dinheiro, mas tal atitude não foi aceite, não tendo palavras para descrever este momento, ficando com a totalidade da importância, fui de imediato, com conhecimento de meus Pais Adoptivos, entregar ao Sr. Morgado 1.000$00 (mil Angolares) ficando com a divida de 500$00 (Quinhentos Angolares), saldada no mês de Novembro.

Naquele verdadeiro lar passei a ser um filho e um irmão adoptivo, onde reinava um respeito indescritível e uma compreensão extraordinária, ao ponto de quando os Pais precisavam de ir a qualquer lado sozinhos, era eu o fiel depositário do lar, o protector e companheiro das meninas Nelinha e Tininha; quando regressavam era sempre presenteado com um bilhete para o cinema, teatro ou revista e até prendas de toda a espécie, tendo sido sempre um privilegiado, no trato por toda a família directa do Sr.  Ferraz quando vinham a Luanda, irmão o Médico e Delegado de Saúde de Landana – Angola Sr. Dr. António Alberto da Veiga Leite Ferraz, conhecido no meio Penafidelense por Doutor Tony Ferraz, amigo intimo de meu Pai, sua Irmã que sempre o acompanhou D. Maria Alice da Veiga Leite Ferraz e o sobrinho Manuel Mário Ferraz da Veiga Ferreira, mobilizado para Angola como Alferes Milº de Infantaria, Comandante do Pelotão de Morteiros, amigo íntimo e companheiro inseparável de caça de meu Pai, familiares que eu já conhecia antes de ir para Angola; e família directa da Sr.ª D. Aurora irmã D. Maria Manuela da Cunha Merino Fonseca e Castro, marido Sr. José Fonseca e Castro e dois filhos José Manuel Merino da Fonseca e Castro (Zé) e Vitor Manuel Merino da Fonseca e Castro (Vitô) que viviam numa casa geminada ao lado da D. Aurora.

Em Setembro de 1958 matriculei-me no 3º e 4º ano (Nocturnos) da Escola Comercial Vicente Ferreira de Luanda, situada no Bairro do Café – Alto da Maianga, tendo logo o apoio incondicional da Sr.ª D. Aurora, dizendo-me que achava muito bem, devido ao emprego, em que me encontrava, exigir o Curso Comercial e que contasse com o jantar antes de ir para as aulas, logo que chegasse da Casa Americana, tudo faziam como se fosse a um filho e que eu demonstrei com aproveitamento no fim do ano lectivo 1958/1959.

Nos fins-de-semana havia um programa no palco da esplanada do Sindicato, em Serpa Pinto que se chamava “CAZUMBI”, sendo os Actores Luís Montês e João Cequeira os principais responsáveis, recinto que se enchia por completo de crianças e que os pais acompanhavam, visto ser divertido e profundamente cultural. As meninas Nelinha, Tininha, os primos Zé, Vitó e uma vizinha Chiquita Legaut, mal sabiam dos Programas nunca mais me largavam e eu lá tinha de ir; nunca perdi nada com isso, ganhei sempre no material, na amizade e no respeito e carinho que sempre demonstraram para comigo.

A Chiquita Legaut era uma miúda Negra da idade da Nelinha, sobrinha dum Casal de Negros, que viviam nos anexos da Casa da D. Manuela, Sr. Legaut, funcionário Superior Administrativo e de muito respeito do Hospital Maria Pia de Luanda e D. Maria, pais da Conceição Legaut, lindíssima, da minha idade e Rui Legaut ambos uma sumidade em canto e na execução de viola e violão, tendo feito um duo, que lhes valeu, para darem o salto para França e fugirem às malhas da PIDE, que na época faziam uma perseguição cerrada fosse a quem fosse, principalmente a negros evoluídos.

Chegou o mês de Dezembro e com a aproximação da quadra Natalícia, as saudades aumentavam e quando se falava no Natal nem queria acreditar que iria passar o 1º, em toda a minha existência, fora da convivência Paternal e Fraternal, mas tendo chagado a véspera, noite de consoada e dia 25, bastantes lágrimas me caiam pela face abaixo, mas o carinho e a amizade que me era dispensada pelos meus Pais e Irmãs Adoptivas, foram afastando um pouco as saudades e tristezas que me invadiam e ao receber uma enorme quantidade de prendas valiosas de utilidade para a minha pessoa, nem queria acreditar, mas era e foi a realidade.

Nunca, o Sr. Ferraz e D. Aurora me aceitaram um centavo do dinheiro que eu recebia do meu vencimento da Casa Americana e depois de pagar a dívida ao Sr. Morgado, em Janeiro de 1959 sobrando-me já um dinheirinho, pedi aos meus Pais Adoptivos se podia enviar para meus Pais 500$00, para ajudar às despesas com os meus nove irmãos, ficaram surpresos com este meu procedimento e incentivaram-me logo, para esta minha atitude, continuando a fazê-lo todos os meses.

Ao lado da casa da D. Manuela, esposa do Sr. José Castro, pais do Zé e Vitó, que viviam logo a seguir à casa da irmã D. Aurora, esposa do Sr. Fernando Ferraz, pais das meninas Nelinha e Tininha e a minha residência desde 1 de Setembro, na mesma Travessa João Seca – Maianga (junto ao Rio Seco), vivia um casal Sr. Manuel Costa, mais conhecido por Neca Costa, funcionário da JOMAR de Luanda e esposa D. Ana Costa (D. Aninhas), com dois filhos Isabel Costa e José Costa (Zeca) de 6 e 4 anos de idade, naturais de S. Cosme de Gondomar, tendo ido, para Angola – Luanda, mãe e os dois filhos há pouco mais de 2 anos, casal amigo e conhecido do Tio Pe. Aires quando coadjutor de S. Cosme, passando a ser uma amizade e convívio diferentes, pois conheciam grande parte da minha família.

Também era visita muito assídua da casa (Ferraz e Aurora) o casal Sr. Capitão Milº.   de Artª. José Sousa Marques, Comandante de Companhia do Grupo de Artilharia de Campanha de Luanda, esposa D. Maria de Lourdes Rodrigues dos Santos Marques e os cinco filhos José Manuel, Maria de Lourdes (Mimi), Carlos, Maria da Graça (Gracinha) e Jorge, todos de tenra idade, que viviam numa casa pertença do Sr. Ferraz e D. Aurora, sita na Vila Alice – Luanda, que muitas vezes utilizavam a viatura Morris Minor de 5 portas do Sr. Ferraz; a D. Lourdes é Penafidelense, irmã do Sr. Tenente de Artª. Mário Brandão, Médicos Snrs. Drs. José da Paz Brandão Rodrigues dos Santos, Francisco Brandão Rodrigues dos Santos, D. Avelina Brandão Rodrigues dos Santos, D. Rosalina Brandão Rodrigues dos Santos e filhos do Sr. Capitão do Q.S.G.E. Rodrigues dos Santos; era um casal que conhecia grande parte da minha família.

Havia um casal muito influente em Luanda Sr. José Querido e sua esposa D. Laura Querido, compadres do Casal Sr. Ferraz e D. Aurora visto serem os padrinhos de Baptismo da Nelinha e tinham duas filhas as meninas Fernanda Querido e Vita Querido, que muito visitavam a casa e existia uma amizade extraordinária. Quem é que não se sentia bem?

Uma visita inesperada que nunca conheci pessoalmente, apenas de nome.

 Em 28 de Setembro de l959, numa bela e fresca tarde, sou mandado ir, pelo meu chefe da Secção Cardex Sr. Ganho, à sala de visitas da Casa Americana, dizendo-me que estava lá um Senhor que já tinha estado a falar com o nosso patrão Sr. MAK (Americano naturalizado Português – João José Mak), para falar comigo. Quando cheguei à sala fiquei boquiaberto, visto não conhecer o Senhor, dizendo-me:” É natural que não me conheças, sou e Eng. Jorge Cândido Osório, casado com a D. Alice Pereira Ferraz, da tua terra e irmã do Sr. António Pereira Ferraz de Perafita – Duas Igrejas – Penafiel e do Médico Dr. Fernando Sabino Pereira Ferraz de Píeres – Marecos, conheço bem os teus Pais e quase todos os familiares da Quinta da Casa Nova e da Quinta da Fonte”, depois de lhe dizer que tive muito gosto em o ter conhecido pessoalmente e que o nome do Sr. Eng. Osório e da D. Alice serem muito falados lá em casa e por muitos familiares, continuou:” Daqui para a frente passas-me a tratar sempre por Primo e amanhã despedes-te da casa, vais ter comigo à Brigada de Terraplanagens e Assentamento de Via do Caminho de Ferro do Congo, na Rua Sá da Bandeira, no prédio onde funciona o Colégio Sá da Bandeira, mas no 1º andar direito, chegas e dizes que queres falar com o Primo Sr. Eng. Chefe, lá espero por ti.” Despediu-se com um aperto de mão e um abraço e ao sair o continuo de imediato chamou o meu patrão Sr. Mak que o acompanhou até à saída. Fiquei a tremer com tudo o que se tinha passado, visto não saber que posição havia de tomar, estava ansioso por sair, chegar a casa e pedir um conselho aos meus Pais Adoptivos. Mas qual é o meu espanto, um quarto de hora depois sou chamado pelo continuo para ir ao gabinete do patrão pois queria falar comigo. Lá fui e quando entrei cumprimentou-me dizendo que conhecia o meu Primo há muitos anos, quando ainda andava agarrado aos camiões de Norte a Sul de Angola, era ele o Eng. Chefe na Construção do Caminho-de-ferro de Moçâmedes – Angola e continuando com uma voz forte e um Português – Americanado dizia-me:” è ninozinho você não pode ir embora do meu casa, eu vai dar-te mais dinheiro, vai-te aumentar p’ra um conto e quinhento, são mil e quinhento angolar”. Respondi-lhe que não tinha decidido nada, pedindo-lhe para ser dispensado no dia seguinte, autorizando-me e que ele próprio ia chamar o Chefe de Pessoal Sr. Kellen e Chefe de Secção Sr. Ganho para lhe dar conta da situação, da dispensa e uma possível saída da casa, agradeci-lhe e fui para a minha Secção, encontrando por sorte o Vice-Chefe da Secção Cardex Sr. Renato Pereira Ferraz a quem devo a minha entrada na Casa Americana, há 3 dias numa inspecção à Filial de S. Paulo em Luanda, contando-lhe o sucedido e visto o Sr. Eng. Osório ser tio, porque a esposa D. Alice é irmã do Sr. Jorge Pereira Ferraz pai do Sr. Renato. Ficou surpreso com a atitude do Tio, que nunca tinha dado um passo por nenhum dos familiares, dizendo-me que aproveitasse, porque ali, só vinha a ter futuro a longo prazo, que tivesse cuidado, porque o Tio era de repentes imprevisíveis.

Ao chegar a casa expus o que se tinha passado aos meus Pais adoptivos e por sinal primos direitos da D. Alice e marido Eng. Osório, que ficaram estupefactos com tal atitude e que achavam bem eu ir ter com ele, porque grande força estava por detrás de todo este empenho e que não era nada normal o que estava a acontecer.

No dia 29 de Setembro de l959, pelas 09H30 fui ter com o Senhor Eng. Chefe Osório e quando me identifiquei, na Secretaria, só faltou estenderem-me a passadeira no corredor e passados 10 minutos da minha chegada estava a ser atendido e à porta fechada disse-me de imediato, depois de nos cumprimentarmos:” Tu vens para cá, vais ganhar 2.800$00 mensais, a categoria com que entras não tem qualquer importância, vens como pedreiro, para te poder admitir já, pois há vaga, mas vais trabalhar com Topógrafos Principais, Topógrafos e Auxiliares Técnicos de Topografia já com bastante experiência que te vão ensinar pois quero dar-te esta especialidade, vais trabalhar como auxiliar técnico de topografia, para o nosso acampamento instalado presentemente nas Mabubas. Quero-te dizer uma coisa que para mim é importantíssima: “ tens olhos e não vês, tens ouvidos e não ouves e tens boca e não falas”. (Aqui lembrei-me muito de minha Mãe que, amiudadas vezes, tinha esta expressão para com os filhos). Agora vais, despedes-te e no dia 1 de Outubro quero-te cá, para combinarmos o dia em que te vou apresentar no acampamento das Mabubas. Vais agradecer e dar cumprimentos meus ao Sr. Mak”.

Nem queria acreditar no que se estava a passar na minha vida, de l.300$00, passar para 2.800$00. Passei pela Maianga dando a notícia em lª mão à Sra. D. Aurora, que ficou radiante

Cheguei à Casa Americana fui ter com o meu Chefe e Vice-Chefe de Secção Sr.s Ganho e Renato Ferraz que de imediato redigiram a carta de despedimento e com ela fui ao gabinete do Sr. Mak, transmitindo-lhe os cumprimentos do meu “Primo” Eng.º Osório e agradecer-lhe o quanto a Casa Americana tinha feito por mim e ao mesmo tempo contando-lhe tudo em pormenor, como ia ser a minha vida e ao ouvir quanto ia ganhar ficou surpreso dizendo-me: “ Ninozinho té désejo muita félicidades, o meu casa tem sempre os porta aberta p’rá ti e cando précisares di comprar algumas coisa, vem sempre ter cômigo, porque apêsar di muitó novo, foste um optimô trabalhador do meu casa.” Foi um momento chocante, jamais esquecerei, as lágrimas caiam-me pela cara abaixo; entreguei-lhe a carta de despedimento que recebeu, leu, levantou-se da cadeira da sua secretária, um homenzarrão em altura e peso, abraçou-me dizendo:” Ninozinho tem muito Fé em Deus, p’la tua vida fora, porquê sem Ele, não somos nada.” Era um homem de profunda fé, prática e devoção extraordinárias, subsidiava quase na totalidade um centro de crianças órfãs na alta da cidade de Luanda, obras de beneficência, colectividades civis e religiosas. Foi um conselho dado com enorme carinho que me fez lembrar os que constantemente, a mim e aos meus nove irmãos nos eram dados, pelos meus Pais, ainda no berço, aperfeiçoados nos Seminários de Santarém e Almada e seguidos sempre pela vida fora, pois só com esta prática encontro força e alento para viver e enfrentar as horas difíceis da vida, dando sempre graças a Deus das boas e más.

Ao sair do gabinete do patrão Sr. Mak, fui-me despedir do Chefe e Vice-Chefe da Secção de pessoal Sr.s Wander Kellen e Izidro Louro, que me entregaram um envelope com a totalidade de 1.800$00, sendo 1.300$00 o vencimento total de Setembro e mais 500$00 de gratificação e já com a dispensa do dia 30,despedindo-me também do Sr. António Cruz Chefe da Contabilidade da Casa Americana, que, apesar da grande diferença de idade, me ouvia e a quem contava toda a minha vida, pois éramos os dois os primeiros a chegar ao serviço e os últimos a abandoná-lo, dando-me bastantes conselhos e o principal impulsionador para eu ir tirar o Curso Comercial, pois um dia, tenho a certeza, me puxaria para a contabilidade, tendo descoberto pelas nossas conversas que era Pai da locutora do Rádio Clube de Angola – Luanda, Alice Cruz orfeonista do Orfeão do mesmo Rádio Clube a que eu pertencia e tinha como Director o Maestro Varela e com quem nos dias de ensaio falava, disse-lhe que trabalhava na mesma casa que o Pai, respondendo-me que o Pai era um escravo do trabalho na Casa Americana; era somente pela grande responsabilidade que tinha, pois era o serviço da casa mãe e 11 filiais espalhadas por Angola, a criação e  educação dos filhos; quando pela lª vez lhe disse que tinha mais nove irmãos deitou as mãos à cabeça e disse:” Ainda eu falo!!!”

Foram momentos difíceis e indescritíveis os da minha despedida, foi a minha lª casa de trabalho, para meu ganha pão, onde criei grandes amizades nos colegas, chefes e patrão, sabendo de antemão que ia ganhar mais do dobro, éramos uma irmandade.

Fui para casa e aí começa o drama da separação de quem já tinha criado um ambiente familiar, paternal e fraternal, muito profundo, isolei-me nos meus aposentos a chorar como uma criança, até que fui chamado pela Sr.ª D. Aurora para jantar e ela notou bem que eu estive a chorar e à mesa, ao jantar, já com o Sr. Ferraz, Nelinha e Tininha, disseram-me que apenas eu ia trabalhar para um lugar mais distante e que não nos víamos todos os dias, mas os aposentos, a alimentação ali em casa, continuava a ser como até aqui, enquanto eu quisesse, já sabiam que os funcionários da Brigada que trabalhavam nas Mabubas, vinham quase todos os oito dias a Luanda, que ficasse descansado, pois a vinda a Luanda era certa.

MEU SEGUNDO EMPREGO EM ANGOLA

No dia l de Outubro de l959, pelas 09H00, fui-me apresentar na Sede da Brigada de Terraplanagens e Assentamento de Via do Caminho de Ferro do Congo – (LUANDA – NOQUI), sita no 1º Direito (do prédio Colégio Sá da Bandeira) da Rua Sá da Bandeira – Luanda, sendo seu Chefe o Eng.º  Civil Jorge Cândido Osório e Vice – Chefe Eng. Civil Paiva Neto e no R/Chão Direito estava instalada a Brigada de Pontes e Obras de Arte do Caminho de Ferro do Congo, com Chefias diferentes, trabalhavam em sintonia, na construção do Caminho de Ferro, para a ligação tão esperada de Luanda, Cacuaco, Bengo, Gratidão, Quipiri, Tentativa, Caxito, Saça-Kari – Mabubas, Lifune, Quicabo, S. Salvador até Noqui - Congo Belga, para exportação da extraordinária riqueza mineral e importação de bens de necessidade pelo porto de Luanda, com um ramal que saia de Quicabo para a cidade de Carmona ( UIGE ); tendo assinado a tomada de posse na presença do Sr. Eng. – Chefe e Topógrafo Principal Sr. José Maria de Sá Lemos, que em breves palavras me disse saber quem eu era, pelo Sr. Eng. – Chefe, a vontade que eu tinha de singrar na vida, o desejo de felicidades de todos os funcionários pela minha apresentação e que ficasse descansado que todos os profissionais de Topografia me dispensariam no ensino toda a sua sabedoria, tendo de seguida sido dispensado até à manhã do dia 6, visto ser vontade do Eng.º – Chefe apresentar o primo no acampamento (Tipo Cubata ) das Mabubas,  a 100 m da bifurcação  da estrada ( picada ) para Quicabo e 100 m à frente estava-se a erguer um novo, com 12 casas tipo vivendas, geminadas de construção definitiva, com bastantes comodidades.

Saímos, apenas os dois, da Sede da Brigada em Luanda pelas 10H00 do dia 6, dirigiu-se, para a Avenida Senado da Câmara em S. Paulo, Luanda e ao parar a Station-Limozine que lhe estava distribuída, como Eng. Chefe em frente ao Café Beira Alta, disse-me:” A partir da 1ª vez que estiveste comigo no meu gabinete nunca mais te podes esquecer do que te disse, que para mim é importantíssimo:” tens olhos e não vez, tens ouvidos e não ouves e tens boca e não falas “; saindo imediatamente da Station entrou num prédio com 3 andares com mais de 50 m de comprimento e passados 10 minutos apareceu com uma Senhora Mestiça, que com um aperto de mão me cumprimentou, por sinal muito jeitosa, não sendo a esposa D. Alice Pereira Ferraz, que eu conhecia muito bem, passei imediatamente para o banco de trás, dando-lhe o lugar onde vinha, dirigindo-nos para as Mabubas, sem que eu tivesse dado uma palavra e eles um para o outro o indispensável, seguindo pelo Cacuaco, Bengo, Panguila, Kipiri e, depois de ter gasto quase 1 hora, para atravessar a Fazenda da Tentativa, onde se encontrava a maior plantação da cana-de-açúcar de Angola, por uma estrada horrível (picada), apareceu-nos o Caxito, onde no Restaurante do Mário dos Leitões, muito conhecido em Luanda, de que distava 70 kms, por “ Mário Porco “, porque aparecia junto dos clientes com uma faca muito pequena, pelo seu uso, muito afiada e uma ponta muito aguçada como um palito, dava as boas vindas, desejava bom apetite e de seguida cortava uma lasquinha do próprio leitão e depois de mastigar e falar um pouco, escarafunchava os dentes com a mesma faquinha, ouvindo-se um som característico de passagem de ar, sucção dos restos dos alimentos introduzidos nos dentes; parou e deixou a Senhora que transportava e pelas 11h30 chegávamos ao acampamento, esperando que todos os funcionários chegassem dos diversos pontos de trabalho, alguns distantes, para fazer a minha apresentação, numa grande sala de construção tipo cubata, com o chefe do acampamento, Sr. Trindade, um professor primário reformado, muito cedo e que na Brigada tinha o posto de Auxiliar Técnico de Topografia.

 

MINHA APRESENTAÇÃO PELO ENG.º CHEFE DA BRIGADA NAS MABUBAS

Com todos os funcionários presentes fez questão de dizer que eu era seu primo e necessitava muito da ajuda e do saber de todos, não tinha em Angola mais ninguém, a não ser ele, era o mais velho de dez irmãos, o 1º emprego que tive desde que saí do Seminário, foi na Casa Americana desde 1 de Abril de 1958, agradecendo de antemão tudo o que fizessem por mim, terminando desejando-me muitas felicidades, eu apenas disse:” Muito e muito obrigado por tudo, vou fazer todos os possíveis para nunca o deixar ficar mal”. Não aceitou o convite para almoçar, pelo Sr. Trindade, dizendo que ia comer leitão ao Mário do Caxito, mas ficava muito grato; fiquei eu no lugar do Sr. Eng.º – Chefe, ficando surpreendido com o almoço, eram duas seixas (uma espécie de cabritinho) assadas no forno com batata assada, arroz e de sobremesa uma melancia enorme, laranjas de umbigo, da fazenda do Icau, localizada entre a barragem das Mabubas (Caxito) e Nambuangongo, tinham uma casca de aspecto verde, mas de uma doçura extraordinária.  

O Sr. Trindade, Chefe do acampamento, apresentou-me a todo o pessoal que fazia parte de ambas as Brigadas, distribuindo-me o quarto com cama de campanha e mosquiteiro anexado, lavatório móvel de campanha e bacio esmaltado para qualquer necessidade fisiológica nocturna, visto ser perigoso a ida à casa de banho de campanha, uma vez que era um local onde proliferavam as hienas e as onças, avisando-me do perigo que corria depois de ser desligado o motor gerador de electricidade à meia-noite, ligado ao escurecer, pois os frigoríficos funcionavam a petróleo e que depois de estar deitado não desse atenção ao gemido das hienas, visto dar a impressão de choro de crianças. Fui-me deitar, não conseguia dormir pois o chorar das hienas, o uivar e ladrar dos mabecos e restantes animais selvagens meteram-me medo, pois tudo parecia passar-se junto ao meu quarto e ainda a comichão permanente durante toda a noite. Logo pela manhã quando estávamos a matabichar (pequeno almoço) de garfo, (omeleta ou bife com batatas fritas e ovos estrelados) que era acompanhado, à escolha, por café, café com leite, vinho ou cerveja, o Sr. Trindade perguntou-me se eu tinha dormido bem e eu queixei-me principalmente da comichão e todos deram uma gargalhada pois era a praxe de todos os caloiros, nestas andanças, terem de passar por este martírio, que era o seguinte:” Todo o acampamento era feito de pau e pique, sem a aplicação de um único prego, sendo todas as amarras e segurança feitas com tiras que eram rasgadas a todo o comprimento da casca extraída das árvores largas ou estreitas que serviam de pilares, barrotes ou travessas, onde se aplicava, no tabique formado lateralmente, a argamassa de barro e na parte superior cobertura de capim, verdadeiras obras-primas, onde de imediato a formiga ‘ Salalé’ faz a sua casa, género túnel estreitíssimo, com uma extensão que pode ser de alguns metros, ou atingir centenas e até milhares de metros, debaixo para cima e indo terminar sempre no local de partida, transportando nas garras da boca uma pequenina bola de barro que com uma espécie de saliva que produzem, para amassar o barro, servindo de cola e ao não ficar agarrada cai e neste caso foi no mosquiteiro que, não tendo um resguardo na parte superior, tais bolinhas se alojaram no lençol causando uma comichão insuportável no utente, após deitado, mas só no dia seguinte, à tarde, é que me disseram o que tinha de fazer e qual o motivo.

No dia 7 de Outubro de l959 é o meu 1º dia de trabalho no 2º troço do conhecido e denominado Caminho-de-ferro do Congo (Luanda – Noqui), localizado entre o MORRO da GRATIDÃO – RIO LIFUNE, passando pelo Kipiri, Fazenda da Tentativa, Caxito, Morro do Saça-Kari, Minas da Mica, Subida das Mabubas, Fazenda do Lifune, tendo como executantes a grande Firma de BRAGA de Construções e Obras Públicas – AZEVEDO CAMPOS & IRMÃOS, LIMITADA (A. C. I. L.), começando uma convivência, muito de perto, com dezenas de funcionários da Empresa; Senhor Fernando (um dos sócios); Sr. Eng.º Figueiredo, responsável pela obra; Senhor Pimenta (de Manteigas), Topógrafo responsável e Senhor José Ribeiro, Capataz responsável pela grande quantidade de Negros contratados ao serviço da Empresa. 

 Foi mais um dia inesquecível da minha vida, visto terem-se-me aberto mais os horizontes, em todas as direcções, começando por ir logo de manhã cedo, na companhia do grupo a que fiquei a pertencer, Senhor Calvinho (Fiscal de Obras Públicas, quase cinqüenta anos de idade), Senhor Trindade (Professor Primário Reformado, Chefe do Grupo, Fiscal de Obras Públicas, Auxiliar Técnico de Topografia e Chefe do Acampamento, com quase sessenta anos de idade), sendo ele próprio o responsável e condutor da Viatura Jeep Willys que nos conduzia diariamente para o serviço, onde se percorriam dezenas de Quilómetros, com a função de fiscalização e medição das e nas trincheiras e aterros, começando por aprender um pouco de topografia.

Quando regressei a 1ª vez para almoçar fui elucidado de que se quisesse podia fazer parte da messe e beneficiar das regalias que todos tinham, dadas pela chefia da Brigada, como viatura para aquisição de toda a espécie de gêneros, cozinheiro, caçador para todas as espécies de caça, que havia com abundância, sendo também pescador de peixe no Rio Lifune e Barragem das Mabubas de qualidade extraordinária para assar e grelhar. Com as regalias oferecidas e uma óptima gestão do Senhor Trindade, nunca a mensalidade, sem bebidas, excedeu os 400$00 (Quatrocentos Angolares), com uma alimentação de qualidade variada e abundância extraordinárias, durante os meses que permanecemos no acampamento para onde fui a 1ª vez e quando mudamos para o novo acampamento que passou a ser chefiado pelo Topógrafo Principal Senhor Costinha, com casa individual, visto habitar com o agregado familiar, assim como o Auxiliar Técnico de Topografia José Alcobia e esposa D. Fernanda com dois filhos, os solteiros e os sem agregado familiar instalados em duas casas, com óptimas condições, continuaram a freqüentar a nova messe, que continuou a ser gerida pelo grande ecônomo senhor Trindade, uma pessoa a quem todos guardavam muito respeito.

A senhora D. Aurora e Senhor Ferraz, meus Pais adoptivos, tinham razão quando me diziam que todos os funcionários da Brigada iam a Luanda quase todos os fins-de-semana, visto logo no 1º Sábado, depois do almoço, duas viaturas estavam prontas para seguirem para Luanda, com o pessoal que quisesse ir e deixado junto à sede da Brigada e local de regresso, no Domingo às 17H00. O meu quarto lá estava à minha espera na Travessa João Seca – Maianga – Luanda, bem como o carinho Paternal e Fraternal que sempre me foi dispensado, desde 31 de Agosto de 1958.

UMA PROMESSA E UM SONHO TORNADOS REALIDADE

Os meses foram passando e a vontade em aprender topografia tornava-se uma realidade, chegando ao ponto de me ser distribuído um taqueómetro, miras e oito ajudantes Negros (Porta-Miras) e quando se tratava de abertura de picadas acompanhavam sempre 20 a 25 Pretos contratados, para, com catanas, machados e serrotes, desbravarem a densa floresta, havendo sempre um, com a função de, empunhando um ramo de árvore, sacudir o enxame de moscas de TZÉ – TZÉ que nos perseguiam procurando, sem que déssemos por isso, pousar e sugar-nos sangue, com um ferrão, tipo agulha, na boca, até encherem uma bolsa traseira e injectarem o sangue que porventura tivessem absorvido num animal vivo ou morto e às vezes já envenenado que, a maior parte da vezes, dá origem à doença do sono e à morte. Num raio de cerca de duzentos quilômetros das Mabubas, Gratidão, Tentativa, Caxito, Quicabo, Icau, Quinfangondo, Maria Tereza, etc., é onde existem quantidades incalculáveis de moscas TZÉ – TZÉ.

Aproveitei muito bem os ensinamentos dados, tanto pelos Veteranos Auxiliares Técnicos de Topografia, como pelos Topógrafos responsáveis, ali radicados. Fiz sozinho algumas medições de trincheiras e aterros, bem como a abertura de picadas, desbravando, para depois os verdadeiros Técnicos irem fazer os levantamentos do terreno, para a execução de Terraplanagens, Assentamento de Via e a construção de Pontes e Obras de Arte, por duas (2) Brigadas Distintas, trabalhando em sintonia.

 

ATITUDE DESUMANA CAUSA EM MIM, C/ 19 ANOS DE IDADE, REVOLTA E ACÇÃO RÁPIDA

Num belo dia de trabalho de medição, no cimo duma trincheira, antes do Rio Lifune a 12 Kms do nosso acampamento, observei que lá no fundo, se encontrava uma fila, a toda a largura, 40 Pretos contratados, da Firma ACIL, que de picareta na mão e ao som de um grito de comando a levantavam ao mesmo tempo e de seguida picavam vagarosamente, até alisarem a trincheira, numa extensão que fosse necessária, reparei que o Senhor Capataz exercia a sua autoridade, num dos pretos que constantemente se atrasava, ficando especado ao chão, inactivo, e só avançava quando sentia uma chicotada nas costas, embora revoltados todos os restantes, que estavam a picaretar e outros que à distância observavam esta atitude deplorável, não podiam piar. Presenciando esta cena repetidas vezes, desci o talude da trincheira e fui ter com o Senhor Capataz José Ribeiro, que apesar de pessoa muito humilde dos arredores de Braga, para ele era pessoa importante, julgava ele, visto comandar umas dezenas largas de Pretos contratados, ao serviço da Empresa Azevedo Campos & Irmãos, Ldª., Chamei-o delicadamente dizendo-lhe que parasse imediatamente de chicotear o Preto e que, de tal atitude repugnante, ia dar conhecimento ao meu Chefe direto Senhor Trindade e ao Senhor Engenheiro Figueiredo da Firma ACIL, mandando suspender de imediato o trabalho do homem, sendo alertado por alguns dos seus companheiros de trabalho de que sofria da doença do sono (TZÉ – TZÉ) e que a tinha contraído, quando ali prestava serviço. Mal o Senhor Trindade chegou ao pé de mim, pu-lo ao corrente de tudo, ficando indignadíssimo, indo logo dar conhecimento ao Senhor Eng.º Figueiredo, que por sinal se encontrava a uns 700 metros, ordenando de imediato a ida do homem ao Hospital das Mabubas e além do Enfermeiro da Firma ACIL, também fui um dos acompanhantes, por ordem do meu Chefe direto e da vontade dos restantes pretos, companheiros do doente. Chegado ao Hospital das Mabubas, foi de imediato observado pelo Médico Diretor, Preto, Senhor Doutor Teixeira, do curso do Médico Preto, Senhor Doutor Agostinho Neto, tendo-lhe diagnosticado a “Doença do Sono” ficando internado, vindo a falecer alguns dias depois.

 

GRANDE AMIZADE COM O SENHOR DOUTOR TEIXEIRA

A partir do dia em que tive o prazer de conhecer o Médico, Senhor Doutor Teixeira, fiquei com um amigo, valendo-me algum tempo depois, numa obstrução intestinal de dez dias seguidos e que eu julgava ia morrer, mesmo comendo com abundância mamão, papaia e respectivas pevides, nada ma valeram. Fui de urgência ao Hospital das Mabubas, com o Sr. Trindade e de imediato fui consultado pelo Sr. Dr. Teixeira que me mandou dar uma injecção e de seguida mandou-me ir ter, sozinho, com o “SOBA” do (Kimbo ou Sanzala) do Sassa Kari e que lhe dissesse que ia de seu mando e que eu me abrisse como  fiz com ele, pois o SOBA tudo faria por mim. Foi uma realidade, ouviu-me atentamente, apalpou-me o abdómen e no final embrulhou-me trinta comprimidos redondos grandes, parecia uma espécie de farelo prensado, para tomar 6 por dia, 2 de cada vez, uma dificuldade enorme para os tomar, bem como mais de um 1 kg de raízes (BURUTUTO), para eu ir deitando num recipiente com água, ao fim de quatro horas começar a beber o mais que pudesse. Comecei a fazer o tratamento na noite do mesmo dia e no dia seguinte, a muito custo lá fui, de Jeep Willys, com o pessoal do meu grupo, para a trincheira fazer medições, até que comecei a sentir uma dor no abdómen, que ia aumentando, quando regressamos ao acampamento, para almoçarmos, as dores começaram a ser insuportáveis, pedi ao Sr. Trindade para parar o Jeep, atirei-me para o chão rebolando-me, ficaram aflitos, até que senti necessidade de evacuar, tendo-o feito, admirei a quantidade defecada, ficando aliviadíssimo. Não me deixaram ir trabalhar, ficando no acampamento dormi toda a tarde, pois havia noites que não tinha pregado olho, sentia-me muito fraco e muito desanimado, embora todo o pessoal do acampamento estivesse em cuidados, via que não sabiam o que me haviam de fazer mais, eu era para todos, pretos e brancos, o menino Vitorino.        

As amizades criadas com muitos dos que hoje recordo com saudade, visto, à beira de todos eles, desde o que ocupava o cargo mais elevado, ao mais humilde, entre os quadros das 2 (duas) Brigadas – de Terraplanagens e Assentamento de Via – de Pontes e Obras de Arte – do Caminho-de-ferro do Congo (LUANDA “ Angola” - NOQUI “ Congo Belga “, ambas com Chefias diferentes, era eu o mais novo e para qualquer um deles eu colocava-me sempre, com o máximo respeito, de filho para Pai, nunca me tendo arrependido disso, pois sempre fui tratado com um carinho e amizade indescritíveis, era o menino Vitorino para todos, Brancos e Pretos.

 

VISITA À MINHA EX-CASA DE TRABALHO

Decorrido mês e meio (1,5) da minha saída da Casa Americana fui a Luanda e aproveitei para ir cumprimentar o meu Ex-Patrão, Ex-Chefes e Ex-Colegas de trabalho, tendo o Senhor João José Mak ficado radiante, dizendo que eu era para ele como se fosse um filho, mandando-me ir ter com o Senhor Coutinho, encarregado do Standard de vendas, escolher uma motorizada e que o pagamento era a combinar depois, com ele; nem queria acreditar no que me estava a ser dito, pois um jovem da minha idade, era raríssimo usufruir desta regalia de transporte. Escolhi uma Motorizada PANTHER SACHS cujo preço de venda ao público era de 8.300$00 (oito mil e trezentos Angolares), tendo-me sido feito um preço muito especial de 5.000$00 (cinco mil Angolares) e a pagar como eu entendesse e eu resolvi pagar em dez (10) prestações de 500$00 – (Quinhentos Angolares) cada, visto as minhas despesas mensais serem as seguintes: (500$00 - Quinhentos Angolares mensais para meus Pais, para auxílio nas despesas com os meus irmãos; de longe a longe enviava 500$00 – Quinhentos Angolares, para minha irmã mais velha que eu, Maria da Conceição, a tirar o Curso de Enfermagem na Casa de Saúde da Boavista – Porto; 500$00 – Quinhentos Angolares, mais ou menos para a comida e bebida na nossa Messe da Brigada, no acampamento das Mabubas.

 

NECESSIDADE DE UMA COMPANHEIRA

Depois de satisfeitos os compromissos assumidos sobravam-me 800$00 (Oitocentos Angolares) que eram muito bem controlados, saindo mensalmente entre 250$00 a 300$00, para pagamento de vales na loja do Sr. Virgílio do Sassa Kari, referentes a géneros alimentares que eu dava a uma pretinha, muito jeitosa, com quem passava algumas horas à noite, durante a semana, para o que tinha de palmilhar a pé, antes de ter a motorizada, uns (doze) 12 Quilómetros ida e volta, passando pelo cemitério das Mabubas, à face da estrada, sem olhar ao perigo que corria, com os animais selvagens e predadores (hienas, onças, mabecos etc.) que naquela zona abundavam. Mesmo assim, ainda consegui amealhar alguns “patacos”.

Sexo com brancas era só para magnatas, visto serem precisos 500$00, o mínimo de cada vez.

Procurava os Muceques onde havia pretas jeitosas e pagávamos entre 2$50 a 5$00.

 

A RECOMPENSA DE QUEM QUER A PAZ, FAZENDO O BEM

Num curto espaço de tempo criei muitas amizades nos acampamentos das Mabubas, das Brigadas do Caminho-de-ferro do Congo – (LUANDA – NOQUI); Acampamento de Azevedo Campos e Irmão, Limitada (ACIL); Vila das Mabubas, com o seu hospital e vivendas que albergavam todos os funcionários, para a manutenção da importante Barragem Hidroeléctrica, a primeira a fornecer energia para Luanda e onde conheci muito de perto as famílias Paiva, Canário, Fernando (do Bar) e Oliveira que tinha uma filha Maria Amália que l4 anos mais tarde, sem que eu sonhasse, viria a ser minha cunhada, por ter casado com um meu irmão, o 2º mais novo, que em l970 foi para Angola – Luanda, Carlos da Silva Moreira Fernandes.

 

IDAS DAS MABUBAS A LUANDA AOS FINS-DE-SEMANA

Aos fins-de-semana nunca menos de duas (2) viaturas ligeiras, transporte de pessoal, iam a Luanda, saindo pelas 12h30 de Sábado e regresso pelas 17h00 de Domingo, sendo eu um dos fiéis ocupantes da viatura conduzida pelo Sr. Fernandes, fazendo-me sempre a vontade de me levar à Maianga, depois de passar por casa dele, na Travessa Alberto Correia, Vila Alice, onde morava com a D. Francelina de quem tinha uma filha a Maria Antónia, existindo defronte uma casa de R/Chão e 1º Andar, onde aparecia sempre uma menina novinha de uns 16 anos, de uma beleza indescritível, por quem fiquei fascinado, passando durante alguns sábados a fazer o mesmo percurso, satisfazendo a paixão assolapada que existia em mim, até ao dia em que já possuidor da minha motorizada PANTHER SACHS, escrevi uma carta dirigida à menina (minha paixão) Maria Augusta e a 10 de Fevereiro de l960 entreguei-a à Glórita Rigor amiga da Maria Antónia filha do condutor Sr. Fernandes, que entregou à endereçada, dando-me resposta no dia seguinte, antes de ir para as Mabubas, pois já vinha e ia de motorizada, foi um nunca mais parar.

 

TRANSFERÊNCIA DAS MABUBAS PARA O CACUACO

Dando-se uma vaga de Chefia, com uma diferença de vencimento de 2.800$00, para 4.000$00, aceitei o desafio, responsabilidade e trabalho. Com 20 anos de idade, sou transferido do Acampamento das Mabubas, para a Vila do Cacuaco – 15 km de Luanda, a l5 de Abril de 1960, para tomar conta do Armazém Geral da Brigada de Terraplenagens e Assentamento de Via do Caminho-de-ferro do Congo – (LUANDA – NOQUI), com 100 m de comprimento x 70 m de largura, com casa de casal (4 divisões), devidamente mobilada e cozinheiro, uma carrinha ligeira Willys com condutor, tendo escolhido o Sr. Fernandes, para irmos a Luanda buscar as compras normais, por Consulta à Praça ou por Concurso Público, para alimentação e conforto dos 150 contratados (Negros) em serviço na Brigada, peças para a Oficina de Reparação das viaturas, instalada ao lado do Armazém, todos os artigos de secretaria, etc., e um camião conduzido pelo Sr. José Jorge, para cargas pesadas, cimento, ferro, máquinas, madeira, brita, areia, tijolos, etc., tendo ali prestado serviço, com o máximo rigor e competência até 17 de Fevereiro de 1961, dia em que ficou em meu poder uma Guia de Marcha da Câmara Municipal de Luanda, para embarcar no cais de Comboio na Boavista de Luanda, no dia 18 de Fevereiro de 1961, pelas 07h00 da manhã (num CAMOCOUVE), comboio que parava em todas as estações e apeadeiros, para poder levar toda a gente, incluindo as “QUITANDEIRAS” sempre com o seu cesto à cabeça, feito de folhas desfeadas das Matebas (Espécie de palmeiras rasteiras) com os mais variados géneros alimentares, mas, o mais usual, era o peixe, com o propósito de abastecer as populações ao longo da linha “caminho-de-ferro”   LUANDA-DONDO. Depois de largas horas de viagem, para percorrer 200 km, tínhamos à nossa espera 17 camionetas de carga, cobertas com um tolde de lona e por baixo, assentos corridos lateralmente e um duplo ao meio, todos de Suma-a-pau, com destino a Nova Lisboa, para ser incorporado, como Recruta Miliciano na Escola de Aplicação Militar de Angola em Nova Lisboa em 20 de Fevereiro de 1961, desembarcamos no DONDO 300 e tal mancebos que, no comboio, depressa formaram amizades profundas e duradouras, até aos dias de hoje, logo com a partilha dos farnéis e depois ultrapassando as dificuldades que ainda estavam pela frente e duríssimas.

 

CASA PARTICULAR E REBENTAMENTO DO TERRORISMO

Mal fui transferido para o Cacuaco, e com consentimento de meus Pais e Irmãs Adoptivas, continuando com as minhas visitas e reconhecimento como até aqui, o condutor Sr. José Jorge arranjou-me um quarto, com pensão completa, incluindo bebida e roupa lavada, por 1.200$00, na casa particular onde se encontrava hospedado há 4 anos, Rua de Benguela, S. Paulo – Luanda, sita no cruzamento com a Rua dos Pombeiros, pertença do Sr. Reinaldino Tavares Pereira (Mecânico na PETROFINA) e esposa D. Áurea (Naturais de Albergaria-a-Nova – AVEIRO), um ambiente familiar riquíssimo, com 3 filhos Armindo, Fernando e Litos, permanecendo aqui de 15 de Abril de 1960 a 8 de Março de 1963, véspera do meu casamento a 9 de Março de 1963, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo – Luanda, com Maria Augusta Pereira da Silva, fruto de um namoro intensíssimo cheio de um amor indescritível e inúmeras peripécias a partir de 10 de Fevereiro de 1960; e foi desta casa, da varanda do meu quarto, voltado para a Rua de Benguela que presenciei às 02h00 da manhã de 4 de Fevereiro de 1961 o REBENTAMENTO DO TERRORISMO EM LUANDA-ANGOLA, com os pretos em demandada a fugirem para o Muceque, junto do mercado de S. Paulo, deixando um rasto de policias mortos a 100 m da casa onde vivia, na casa branca – S. Paulo, numa sucata lá existente, bem como nos ataques à Casa da Reclusão Militar – (Bairro da Boavista) e 7ª Esquadra da P.S.P. – (Estrada de Catete) – Luanda, um começo de horror indescritível, seguindo-se novo grande distúrbio e com muitas mortes causadas aos atacantes pretos, saídos da serração (vestiam uma capa plástica, mentalizados que eram imunes às balas dos brancos), junto ao largo do Cemitério da Estrada de Catete em Luanda, aquando do funeral dos Polícias mortos na madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961,onde eu, minha namorada e seus pais nos encontrávamos, para um último adeus, com a presença do Governador-geral de Angola e as mais altas individualidades, civis, militares, religiosas e população civil, em peso, que ao som do tiroteio das forças de segurança ali existentes, todos ficaram em pânico, procurando os mais variados refúgios, até as covas abertas, para enterrar os Polícias, ali nos caixões, serviram de abrigo enquanto não foi serenado o distúrbio, com a retirada de dezenas de corpos, calma a população civil e a minha saída debaixo da carrinha Morris de 1.500 kg, bem como minha namorada e meus futuros Sogros Augusto Rodrigues da Silva e Alice da Cruz Pereira, naturais de Bustelo de Chaves; era a grande preparação para a U.P.A. (UNIÃO POPULAR DE ANGOLA) de Olden Roberto, com quartel-general no vizinho Congo Belga, apoiado pelo presidente PATRICE LUMUMBA, começar a grande chacina de Homens, Mulheres e Crianças no Norte de Angola (CUANZA-NORTE), a l2 de Março de 1961.

Mais tarde a UPA, mudou a sigla para F.N.L.A. (FRENTE NACIONAL DE LITERTAÇÃO DE ANGOLA

 

3º EMPREGO

INCORPORAÇÃO NA ESCOLA DE APLICAÇÃO MILITAR DE ANGOLA – (E.A.M.A.) em NOVA LISBOA em 20/02/1961

O primeiro arrepio e suores frios, não se ouvindo um mosquito, dentro da camioneta de transporte de animais racionais foi na travessia do Rio Cuanza no Dondo com 200m de largura, sem ser pela ponte, visto estar em construção, um pouco atrasada, e ser feita por um paredão construído pela natureza, com o tempo, com uma cachoeira de respeito e por onde era feita a travessia dos Autocarros da Empresa de Viação de Angola (E.V.A.), camiões de carga, tendo como ponto de referência dois enormes “embondeiros” um em cada extremidade do paredão que indicava aos condutores a linha recta que tinham de seguir, sem o mínimo desvio, apenas quando o caudal do Rio Cuanza o permitisse, tendo-se dado inúmeros desastres, pela negligência de muitos condutores. Tivemos a sorte de o Rio permitir a travessia e as l7 camionetas, umas atrás das outras, fizeram a travessia, sem qualquer problema.

Da Munenga (DONDO) já depois do Rio, só existiam ”picadas”, eram as estradas do CUANZA-SUL ao Bailundo, passando pelo Hengue, até uns 30 km de NOVA LISBOA, tínhamos de percorrer ainda 420 km; havia chovido muito e só se viam viaturas de transporte de mercadorias e passageiros enterradas, obstruindo a nossa passagem, mas com o manancial de força e juventude de 300 e tal mancebos, ficando apenas em cuecas e descalços, pusemos tudo em movimento e caminho livre, após longas horas de escavações intensas, devorando, posteriormente, toda a alimentação dos restaurantes por onde íamos passando, porque os nossos farnéis, aqueles que os tinham, não chegaram a meia missa. Desobstruímos quatro situações como a 1ª até chegarmos ao BAILUNDO a 50 km de NOVA LIBOA; ficamos como uns fariseus, todos sujos. Tive a sorte de conhecer um mancebo, no meu compartimento do comboio, baixo, mas um dos pesados, em físico, DIALINO DE ALMEIDA, uma jóia de rapaz, mal abriu o farnel, pô-lo à disposição dos que o rodeavam incluindo a minha pessoa; o Abílio (Ninito) que conhecia da Rua de Benguela – (S. Paulo – Luanda) onde morava, com quem tinha pouca confiança, foi juntar-se aos amigos íntimos que consigo viajavam; o Norberto que eu conhecia por morar num anexo da Travessa Alberto Correia – Vila Alice – Luanda, junto à residência da minha namorada Maria Augusta Pereira da Silva, cozinheira do meu abundante e diversificado farnel, que ao abri-lo logo fiz o mesmo que o companheiro DIALINO, colocando tudo em cima das nossas malas no compartimento e convidando o Norberto que também pôs as suas diversificadas sandes no mesmo monte, atitude que tanto a mim como ao DIALINO caiu bem, nunca mais o largamos, visto eu saber as dificuldades com que ele e a família viviam.

Chegados a Nova Lisboa, ao fim da tarde do dia 19 de Fevereiro de 1961 os três que formamos grupo, fomo-nos instalar no Hotel Coelho, os Donos amigos íntimos do Dialino que era Ajudante de Farmácia, e o tinha sido na Farmácia Esperança em Nova Lisboa uns tempos antes de ter ido para Luanda, pertencendo à mesma Firma. Tomamos banho, jantamos e dormimos no mesmo quarto, onde foi posto um divã, para o Norberto, num só sono, até às 09h00 do dia seguinte, pagando o mínimo dos mínimos.

Lá fomos os três de carro de aluguer para a Escola de Aplicação Militar de Angola (E.A.M.A.), o Dialino e eu fomos para a Companhia de Especialidades (C.E.), ele Especialidade de Maqueiro, com o Nº 214 de Ordem, eu o Nº 249 de Ordem, Amanuense e Curso de Sargentos Milicianos e o Norberto foi para 1ª Companhia de Atiradores Infantaria.

A primeira coisa que recebemos após o Nº de Ordem e preenchimento da papelada, foi a trouxa de roupa que cada um fez, meteu às costas, tomar conta do armário, fazer a cama, fardar para ver se era preciso algum arranjo e logo de seguida a um toque de clarim ir formar para a 1ª refeição, como militar recruta, almoço, decentemente vestido e ficar preparado logo no dia da INCORPORAÇÃO 20/02/1961, para uma Recruta Intensiva até o Juramento de Bandeira 23/04/1961.

AS PRIMEIRAS FÉRIAS DADAS PELA (E.A.M.A.- Nova Lisboa) AOS RECRUTAS

Aproveitei este período de Férias da Páscoa, deslocação a Luanda, para no dia 1 de Abril de 1961, pedindo aos meus Pais Adoptivos Fernando da Veiga Leite Ferraz e D. Maria Aurora Merino da Cunha Leite Ferraz, para fazerem o pedido de casamento de minha namorada Maria Augusta Pereira da Silva aos Pais Augusto Rodrigues da Silva e Alice da Cruz Pereira, oferecendo-lhe o anel de noivado.

Já Soldado Pronto de 24/04/1961 a 22/07/1961 frequentei o Curso de Sargentos Milicianos Amanuenses, tendo terminado com a classificação de 13,05 valores; de24/04 a 22/07, como Soldado Pronto e 23/07 a 28/07/1961 já como 1º Cabo Miliciano Amanuense, toda a (C.E.) Companhia de Especialidades de E.A.M.A., a que pertencia, fazia a defesa diurna e nocturna à cidade e bairros de Nova Lisboa, pois os efectivos de militares existentes em Angola, idos da Metrópole eram reduzidos; era o período conturbadíssimo a Norte do Rio Cuanza (Cuanza-Norte) e Luanda, visto o terror se ter espalhado por toda a ANGOLA e na mente de cada um, em cada canto, existia um terrorista (turra), tendo participado numa escolta, a Militares Prontos, transferidos da EAMA de Nova Lisboa para Luanda, de 5 a 9 de Junho de 1961, passando por zonas conturbadíssimas à data, DONDO, MARIA TERESA, CATETE, 44 e LUANDA – (CUANZA-NORTE).

Foi um alívio pois o trânsito já era livre, nos dois sentidos, na Ponte Nova sobre o Rio Cuanza no DONDO, a viaturas e colunas Militares.

Fui abatido ao efectivo da C.E./Escola de Aplicação Militar de Angola/Nova Lisboa em 28 de Julho de 1961, por ter sido transferido para o R.I.L.

 

O TEMPO DE NAMORO POR CARTA NA (E.A.M.A. – NOVA LIBOA) TINHA DE EXISTIR PORQUE AS SAUDADES E FALTA DO MELHOR, CONQUISTADO A 8 DE DEZEMBRO DE 1960, PELAS 23H00, ERAM MUITAS

Durante o tempo que estive na Brigada de Terraplenagens e Assentamento de Via do Caminho-de-Ferro do Congo – (Luanda – Noqui) consegui amealhar 45.000$00 (Quarenta e cinco mil escudos), um maná, sendo fiel depositária a minha namorada Maria Augusta Pereira da Silva que me mandava quando necessitava.

Aproveitei para despachar a minha motorizada PANTHER SACHS, que me fez muito jeito, bem como aos meus amigos de coração.

Tinha carta da namorada quase todos os dias, e no meio a presença de um bocadinho do que era nosso, que nos fazia lembrar mais um do outro, fazendo ela chorar a “MARIA LUISA” e eu fazia transpirar o “TÓ ZÉ”, era o nosso código.

Havia uma grande mesa de chapa na caserna, eu e o Dialino de Almeida nunca nos deitávamos antes da meia-noite, enquanto não respondíamos com cartas de 3 ou 4 folhas às nossas namoradas, até que com a classificação que obtive, apesar de uma luxação no calcanhar direito, devido a um salto do Pórtico, duma altura de 15m, nunca deixei de fazer os exercícios e ordem unida, embora a custo, não me prejudicando em nada a minha classificação e a minha escolha para o Regimento de Infantaria de Luanda que distava 500 metros da casa da minha namorada.

Aproveitava também o silencio da noite, para dar explicações de matemática e Português ao amigo Dialino de Almeida que se estava a preparar para fazer o 1º Ciclo Liceal, que fez em Junho de 1961, época conturbada, tendo obtido a classificação de 7,9 Valores na escrita, mas com os 2 valores dados pelo Professor Dr. Adriano Moreira, aquando da sua visita a Angola, como Ministro do Ultramar em Junho/1961, foi fazer a oral em Luanda, por ter sido transferido para o H.M.L. (Hospital Militar de Luanda, fundado em 01/06/1961), tendo sido Aprovado com 12 Valores.

 

TRANSFERÊNCIA PARA O R.I.L. (REGIMENTO DE INFANTARIA DE LUANDA)

Aumentado ao efectivo da C.C.S. (Companhia de Comando e Serviços) do R.I.L. (REGIMENTO DE INFANTARIADE LUANDA e colocado no BATALHÃO DE MOBILIZAÇÃO em 29 de Julho de 1961 como 1º Cabo Miliciano Amanuense, tendo sido promovido a Furriel Miliciano Amanuense em 20 de Dezembro de 1962. Três dias depois, dia de Natal 25 de Dezembro de 1962 fui nomeado Sargento da Guarda à retaguarda do Quartel (R.I.L.) Regimento de Infantaria de Luanda, onde se encontrava a prisão multirracial, Pretos, Mestiços e Brancos, Punidos Disciplinarmente, com penas de prisão de diversos graus, pelo Comandante da Unidade e Publicadas em O.S. (Ordem de Serviço) diária.

Eram 12 os presos que tinha à minha responsabilidade durante 24 horas, desde o render da parada geral, num recinto enorme em frente ao Comando, que se situa entre a Casa da Guarda e o recinto destinado diariamente a esta cerimónia ou outras de Forças em Parada, por exemplo: Juramentos de Bandeira, recepção a altas individualidades, substituição de comando, etc.;  08h00 da manhã do dia 25, com formatura de toda a força em serviço, comandada pelo Oficial de Dia, coadjuvado por Oficiais de Prevenção e Segurança, Sargentos da Guarda para a frente e retaguarda do Quartel, Sargento que organiza as forças em parada e as apresenta ao Oficial de Segurança e este ao Sr. Oficial de Dia; Sargentos de Dia à Unidade, Secretaria-geral, Companhias C.C.S. – (Companhia de Comando e Serviços), 1ª C. I. – (1ª companhia de Instrução), 2ª C.I. – (2ª Companhia de Instrução) – 3ª C.I. – (3ª Companhia de Instrução), C.R. 113 – (Companhia de Recompletamento 113), Ronda dentro e fora do Quartel; Cabos de dia a coadjuvarem todos os Sargentos nomeados, e todas as Praças destinadas à força de segurança, alimentação, limpeza e bem-estar, até às 08h00 do dia seguinte, aqui dia 26.

Tinha lido no Regulamento Geral do Serviço do Exército de que o preso, já naquela altura, tinha direito (no papel) a 2 horas de sol por dia, se o Sargento, Comandante da Guarda assim o entendesse e principalmente em dias festivos.

Como muitos Sargentos da Guarda foram para o lugar dos presos que fugiam, enquanto não fossem capturados e como tinham a faca e o queijo na mão, acabaram-se, quase por completo, as idas ao sol.

Olhando para o que está regulamentado e a data festiva que era, enchi-me de coragem e ao lembrar-me do que JESUS disse: “O que fizeres ao mais humilde, encarcerado e carenciado, é a MIM que o fazes”, montei uma segurança com 6 praças em volta do campo de futebol, dentro das paredes do Quartel, onde existia também força do reforço à Unidade e por volta das 14h00 abri-lhes as portas e foram jogar futebol.

Pelas 14h30 aparece de Jeep, acompanhado do Oficial de Segurança, o Comandante da Unidade Senhor Tenente-coronel de Infantaria Ernesto Fontoura Garcez de Lencastre, considerado o terror, para mim era disciplinado e disciplinador, um pouco, em excesso.

Ao ver tudo fora da prisão, virou-se para mim e disse: “Que pouca-vergonha é esta”?

Respondi-lhe: “o que está escrito no R.G.S.E. e do dia festivo que era, me levaram a tomar tal atitude”, virou costas e foi-se embora.

Pensei logo para comigo, vou levar um castanha que nem me endireito e a despromoção é quase certa, já não sosseguei, até à manhã do dia seguinte 26, para contar ao meu protector Major João Magro, Comandante do Batalhão de Mobilização, onde eu trabalhava e sendo um jovem de 22, era querido por todos.

Pelas17h00 resolvi o regresso de todos às celas e ao ser feita a chamada pelo Cabo da Guarda faltava 1.

Entrei em pânico e o veterano dos presos e de condenações Carlos Alberto, acalmou-me dizendo-me que o Madeirense estava a jogar lerpa na 1ª C.I. e dentro de cinco minutos estava ali; se assim o disse, assim o fez, tirando-me outro pesadelo das costas, ficando o quadro dos 12 que saíram, novamente completo, com todos lá dentro.

No dia seguinte, mal foi rendida a parada, fui ter com o meu Comandante do Batalhão de Mobilização um Jovem Veterano de 70 anos, Major João Magro que ao ouvir-me ficou admirado da minha tomada de posição e que não havia ninguém que me pudesse castigar, pois a minha tomada de posição estar Regulamentada, embora todos os Sargentos da Guarda façam por esquecer.

Foi ao Comandante da Unidade e passado pouco tempo estava de novo ao pé de mim a dizer-me para ir ao Gabinete do Comandante Tenente-coronel Garcez de Lencastre que queria falar comigo.

Eu que estava com um receio horrível de enfrentar o meu Comandante do R.I.L., ainda hoje penso na grandeza de Deus e da sua recompensa a quem O quer seguir e servir, pondo em prática os seus Mandamentos e Obras de Misericórdia, fazendo com que a mão esquerda não saiba o que deu a direita; só faltou publicar em Ordem de Serviço o acto de: “coragem e valentia em ter proporcionado aquele bem-estar e no dia festivo que era” dito por ele, estando presentes o 2º. Comandante da Unidade Sr. Major de Infantaria Hugo Abreu da Luz, meu Comandante do Batalhão de Mobilização Sr. Major João Magro e Chefe da Secretaria-geral Sr. capitão do Q.S.G.E. Seia.

Quando sai do gabinete nem queria acreditar.

Precisava da continuidade no Posto de Furriel Miliciano, para realizar o meu casamento a 9 de Março de 1963, planeado a 1 de Abril de 1961, dia do pedido de casamento da minha namorada, a meus sogros; e a Furriel do (Q.P.) Quadro Permanente do (S.A.M.) Serviço de Administração Militar em 22 de Dezembro de 1963, tendo desde o 1º dia do meu aumento à Unidade R.I.L., sido nomeado em O.S. (Ordem de Serviço), para todos os serviços que faziam os Sargentos de Infantaria; Sargentos de Dia à Unidade, Companhia, Secretaria/Regimental, para recebimento e encaminhamento de todo o pessoal em movimento, para a Companhia de Recompletamento nº 113, pertencente ao Regimento nos 1ºs anos, Sargentos da Guarda/RIL, Sargentos de Ronda ao Quartel e fora dele, rusgas aos Muceques, acumulando com o serviço permanente no Batalhão de Mobilização/RIL, com folgas, às vezes, só na nomeação em OS/RIL, sendo comandante da Unidade o Exmo. Sr. Tenente Coronel Ernesto Fontoura Garcez de Lencastre, duma exigência sobre-humana.

CASAMENTO COM MARIA AUGUSTA PEREIRA DA SILVA

Após ter sido promovido a Furriel Miliciano em 20 de Dezembro de 1962, fiquei com a possibilidade de contrair matrimónio, visto ganhar o suficiente, para fazer face às despesas exigidas, começando a pensar na data do enlace, responsabilidade e no dia 9 de Março de 1963, pelas 11h00 foi celebrado o Sacramento do Matrimónio, na Igreja do Carmo em Luanda, seguido de almoço na casa de meus Sogros Augusto Rodrigues da Silva e Alice da Cruz Pereira, naturais de Bustelo – Chaves, na Travessa Alberto Correia – Vila Alice – Luanda, com a presença de quase 100 pessoas, sendo meus Padrinhos de Casamento o Sr. Luís Morais e D. Zita Pereira Ferraz e da Maria Augusta a Irmã Laurinda Pereira da Silva e marido Adelino do Nascimento Reis, com 2 dias de comes e bebes.

Fomos morar para a Rua dos Pombeiros, com o cruzamento da Rua de Benguela em S. Paulo de Luanda, até Setembro de 1963, mês em que nos mudamos, para a rua Alberto Correia Nº 38 – 1º Dtº – Vila Alice, bem perto dos meus sogros, para juntar o útil ao agradável, sendo gerado aqui o meu 1º Filho, nascido às 06h30 de 01 de Novembro de l964 Manuel Adelino da Silva Moreira Fernandes, tendo como Parteira a Senhora D. Apolónia Mata, nossa vizinha e muito amiga; foi um momento indescritível, começando aqui outra fase, mais responsabilidade.

IDA DE MEUS SOGROS E FILHOS PARA LUANDA-ANGOLA

MERCADO DA CAPUTA MERCADO DE QUINAXIXE OU MARIA DA FONTE

Meu sogro Augusto Rodrigues da Silva foi para Luanda – ANGOLA em 1940, tendo ido em 1944 a minha sogra Alice da Cruz Pereira com os Filhos Laurinda Pereira da Silva, Fernando Pereira da Silva e Maria Augusta Pereira da Silva, com 4 anos de idade.

O meu sogro era Sócio de Hotel Avis das Incambotas e quando tinha a presença da esposa, ficaram com um lugar no mercado da CAPUTA no Centro da Baixa, de onde abasteciam o Grande Hotel Universo e Hotel Atlantic e outras casas importantes, bem como inúmera clientela, devido à diversidade de géneros e preços imbatíveis.

Em 1952 começou o desbravamento de um terreno de 20 Hectares junto ao observatório da MULEMBA, onde foram construídos 14 (catorze) tanques com a capacidade de l2 m3 cada, para armazenamento de água da conduta velha, regadio a uma pequena parcela do terreno 20.000 m2 e ser construída uma horta, para abastecer, com produtos hortícolas, o lugar no mercado da CAPUTA e posteriormente o lugar no mercado de GUINAXIXE, após o encerramento do primeiro na baixa de Luanda, em Março/Abril de 1958.

Após a minha entrada em 1960 no ambiente familiar, devido ao meu namoro com a menina Maria Augusta, o meu interesse pela agricultura, que já era muito, aumentou de uma forma indescritível, tendo sido construídos aviários nunca vistos na redondeza, para criação de frangos “cabiris” autênticos pica-no-chão e pocilgas sofisticadíssimas, atraindo a visita de produtores SUL-AFRICANOS devido às maternidades de porcas parideiras e recintos nunca vistos, alguma vez pensados e feitos, para criação de leitões, bacorinhos e porcos de engorda.

Tudo isto testemunhado em 1964 pelo jovem TENENTE do Q.P. do Serviço de Administração Militar do Exército Valentim Loureiro e seu padrinho de casamento Ten. -Coronel Caçote do S.A.M. do Exército, Chefe da Sucursal da Manutenção Militar de Luanda em 1964, obra tão badalada em Luanda-Angola, visitada por gente que muito se interessava por estes modernismos da época, autênticos hotéis pocilgas.

O alimento, para umas centenas de porcos, e centenas de galináceos, além da sobra de hortaliça, era os restos de comida das cozinhas das Unidades Militares de Luanda, arrematados de 2 em 2 anos e retirados diariamente por uma carrinha MORRIS de caixa aberta de 1.500 kg e mais tarde outra de igual tonelagem AUSTIN, em bidões de 50 litros; eram 5 Unidades a fornecer e a cada Concelho Administrativo pagava-se mensalmente 300$00.

Toda esta azáfama durou até 25 de Abril de 1974, começando a derrocada de dia para dia e terminando após a venda de todos os animais, já adivinhávamos.

 

DILIGÊNCIA ao (B.C. Nº 3) BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 3 em CARMONA (UIGE), PARA DESVENDAR O MISTÉRIO DE UM DESVIO DE 9.000 (NOVE MIL) CONTOS.

Em 30 de Setembro de 1964 pelas 05h30 marchei em diligência para o B.C. Nº 3, passando em coluna-auto pela TENTATIVA, CAXITO, MABUBAS, PEDRA VERDE, NAMBUANGONGO e CARMONA, tendo regressado ao RIL em 16 de Dezembro de 1964, por ter terminado o serviço que fui desempenhar no B.C. Nº 3 – CARMONA e durante o tempo de diligência (78 dias) nunca deixei de desempenhar os serviços que eram somente destinados aos Sargentos de Infantaria.

Agarrado a uma máquina de calcular dia e noite não descansei, enquanto não descobri o fio à meada, o lema era não dizer nada a ninguém e só depois de estar com os pés bem firmes e dados nas mãos é que mostrei duplicados, ficando com os originais em meu poder e bem seguros num cofre, que pedi para o efeito.

Tinha chegado ao fim de descobrir aquilo, que muitos julgavam impossível.

Sempre gostei de desafios difíceis, durante toda a minha vida e cada vez me vão dando mais força, para os momentos de fraqueza.

Oito Dias após o nascimento, Mãe e Filho foram até ao Nagage para casa dos Tios Adelino e Laurinda, a 200 km de Luanda e a 30 km de Carmona onde me encontrava em Diligência, tendo ido visitar, num fim de Semana, o Quiceque, onde o meu Cunhado, irmão António do Nascimento Reis (Totó) e Sobrinho Manuel Coelho também tinham casas de residência e comerciais.

Passados dias Mãe e filho regressaram a Luanda e eu terminei a minha Diligência ao B.C. nº3 em l6 de Dezembro de 1964, apresentando-me no R.I.L.

 

TRANSFERÊNCIA DO R.I.L. para o H.M.L. (HOSPITAL MILITAR DE LUANDA)

Por pertencer ao S.A.M. (Serviço de Administração Militar) e ter sido escolhido, fui transferido e aumentado ao efectivo do Hospital Militar de Luanda em 18 de Dezembro de 1964, para desempenhar a espinhosa missão de (ECÓNOMO) Vaguemestre na Enfermaria de Tuberculosos Pulmonares/HML em Nova Lisboa, para onde marchei por via aérea às 07h30 de 28 de Dezembro de 1964, contrariadíssimo, com a finalidade de montar, organizar totalmente de novo e orientar administrativamente tudo, tendo como Director da Enfermaria o Sr. Alferes Milº. Médico Dr. Estevinha e Furriel Milº. Enfermeiro Fernando Ferraz, cinco (5) 1ºs Cabos Enfºs., 3 Soldados Auxiliares de Enfermagem, um 1º Cabo Escriturário e 5 cozinheiros, ficando adido para efeitos Disciplinares e Administrativos ao (G.A.C. -N.L.) GRUPO DE ARTILHARIA DE CAMPANHA DE NOVA LISBOA.

Mal eu e Maria Augusta soubemos da minha ida para Nova Lisboa resolvemos ir o casal com o recém nascido Filho e começamos a embalar o indispensável para montarmos casa, sem deixarmos a de Luanda, tendo minha sogra Alice da Cruz Pereira ido connosco para ser operada a um grande FIBROMA, pelo grande cirurgião Espanhol Dr. Miguel, numa Missão Católica, nos arredores de SILVA PORTO, a 160 km de Nova Lisboa, tendo corrido bem, estragou tudo ao fazer esforços com a sua chegada a Luanda, pegando em volumes pesados rebentou os pontos, chegando a andar com as tripas à mostra, apenas seguras com uma ligadura, valendo-lhe o genro mais velho Adelino do Nascimento Reis que ao ir a Luanda, presenciou tal facto, pondo-se em contacto comigo, num ápice resolvemos tudo.

Tinha de deixar aqui gravada a minha negociata com diamantes, salvo seja, rubis dos mais fracos e vidros, mas eu ao ver aquilo tão lindo, quando o preto foi ao quarto do hotel oferece-los por 3.000$00, julguei ter ali a minha independência, tudo falso ao mostrar a quem sabia em Nova Lisboa e quando fui visitar a minha sogra, passados uns dias, recuperei ao menos o dinheiro, do mesmo fornecedor que foi ao quarto do hotel onde estava a minha mulher, usando um estratagema muito prático e conhecido.

Nos primeiros tempos tivemos a indescritível ajuda da D. Emília do Nascimento Reis e marido Manuel Esteves de Azevedo, irmã e cunhado do meu Cunhado Adelino, donos da “Casa Lisboa” grande loja de moda na Rua do Comércio em Nova Lisboa, magnatas, onde fomos recebidos principescamente, até nos arranjarem casa quase ao lado deles, pais dos jovens José Azevedo (Zézito) de 12 anos, Carlos Azevedo (Carlitos) de 11 anos e Ana Azevedo (Anita) de 5 anos, quando os conheci Dezembro/1964.

OBS: O José Azevedo com 58 anos é Eng.º Civil em Coimbra; o Carlos Azevedo com 22 anos em 1975 e no 2º ano de Medicina na Faculdade de Luanda, ao ter ido passar uns dias de férias com os Pais, foi apanhado pelos guerrilheiros da U.N.I.T.A. e levado mataram-no à queima-roupa; a minha pequenitates Anita que me chamava tio Vitorino, gostava muito de mim e constantemente me pedia para lhe passar contas de dividir com 8,9,10 algarismos no dividendo e 4 ou 5 no divisor, tirava as provas e depois vinha-me mostrar, com a idade de 5 anos já era uma dotada, não admira que hoje, com 51 anos, seja a Senhora Professora Catedrática Doutora Ana Breda (do Marido), Directora do Departamento de Matemática da Universidade de Aveiro e Mãe de 3 filhos adoptivos, onde só transpira carinho e compreensão, do casal de Professores Catedráticos e em Matemática.

Meu cunhado Adelino tinha lá outro irmão Albino do Nascimento Reis e outra irmã Ana Maria do Nascimento Reis, casados respectivamente com D. Maria da Piedade do Nascimento Reis e Afonso dos Santos Capela, que muito nos valeram também.

Minha Sogra veio de novo para Nova Lisboa, tendo sido reoperada na Casa de Saúde Mineira do Lobito pelo Cirurgião Senhor Dr. João Taborda e assistentes Dr. Primo António José de Oliveira e Dr. José Estevinha; que só a deixou ir para Luanda, quando devidamente curada e cicatrizada.

A casa alugada era enorme, foi compartilhada pelo meu colega de Enfermaria Fernando Ferraz, Furriel Miliciano Enfermeiro e esposa D. América Ferraz, foi bom fazer a divisão, tínhamos em comum a cozinha e sala de jantar.

Concebida e gerada em NOVA LISBOA – Nascida em LUANDA

Em Julho de 1965 em Nova Lisboa, começa a ser gerada a minha filha Ana Dulce da Silva Moreira Fernandes, nascida às 06h40 de 23 de Março de 1966 em Luanda na Travessa Alberto Correia – Vila Alice, na casa de meus sogros, tendo como Parteira a D. Apolónia Mata, vizinha e muito amiga

 

RECEBIMENTO DOS 1ºs CINQUENTA DOENTES TUBERCULOSOS PULMUNARES

No dia 1 de Abril de 1965, recebo os 1ºs 50 doentes Tuberculosos Pulmonares mais graves, idos do H.M.L., acompanhados pelo Médico Tisiologista Sr. Dr. Tenente Milº. Médico Serafim Guimarães, que me deu a 1ª lição de convívio com doentes deste foro, no acompanhamento (Luanda - Nova Lisboa), refeições na viagem e refeitório, que desde 28 de Dezembro de 1964 fiquei encarregado de equipar, bem como as duas (2) Enfermarias A e B, com 32 camas cada, Secretaria, Cozinha, etc., onde em comunidade foi rezado o terço, com o Sr. Dr. Serafim Guimarães a presidir na Enfermaria A.

Sendo o começo da confecção de alimentos, no dia 2 de Abril de 1965, géneros que eu próprio ia buscar à Delegação da Manutenção Militar em Nova Lisboa, acompanhava a confecção e distribuição.

O que para mim, contacto com os doentes era um bicho-de-sete-cabeças, passou a ser um acto normal, tendo feito um tratamento de imunização no Dispensário Anti Tuberculoso de Nova Lisboa.

Chegou o Natal de 1965 e os dois casais e pessoal de serviço que quis, fomos fazer a consoada com os doentes, preparei tudo ao pormenor e no final ficou a mesa recheada de tudo, devidamente arranjada pelas nossas mulheres, tendo o meu filho de 1,5 mês ficado em casa da D. Emília e Sr. Azevedo.

Enquanto estive à frente do Economato da Enfermaria/T.P., as Festas Principais e os Aniversários de cada doente eram sempre festejados, por todos.

Os doentes eram Sargentos, Praças e Civis militarizados.

A ementa era para sete (7) dias (pequeno almoço, almoço, lanche, jantar e ceia).

O doente ao fim de 3 semanas já sabia o que ia comer, no dia correspondente, verificando que por melhor confeccionada que fosse, deixavam grande parte da comida; e com a concordância dos Médicos Director (militar) e Assistente (civil) e autorização do Chefe da Delegação da Manutenção Militar em Nova Lisboa, Sr. Capitão SAM Castro, consegui sem alteração de preços, fazer 7 variedades de uma ementa, para que o doente nunca soubesse o que ia comer, aproveitando eu próprio, praticar com o meu maior amor e carinho na confecção diária, até os cozinheiros (Praças de Serviço) estarem aptos numa boa execução, que com uma óptima medicação administrada e repouso absoluto as recuperações eram rápidas, fora do normal, deixando boquiaberta a Junta Hospitalar de Inspecção (JHI) do H.M.L. e onde frequentemente eram presentes doentes idos da Enfª. T.P. do H.M.L. em Nova Lisboa.

Tive a honra de ter trabalhado com 2 Tisiologistas de renome, que jamais posso esquecer, pela humanidade e dedicação aos doentes tuberculosos e a todo o pessoal de serviço, Srs. Dr. João José Herdeiro e Dr. Primo António José de Oliveira, bem como o Sr. Furriel Miliciano Enfermeiro Fernando Ferraz, natural de Matosinhos.

Construímos um “NICHO” onde foi colocada a imagem de Nossa Senhora de Fátima, e diariamente às 17h00 era rezado o terço, com acompanhamento de um dos 2 grupos musicais que criei, sendo o material, instrumentos e Imagem oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino, benfeitores, incluindo os Médicos e Pessoal de serviço.

 

PROMOVIDO A 2º SARGENTO DO Q.P. DO SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO MILITAR EM 31 DE DEZEMBRO DE 1965

Devido aos bons resultados obtidos e boas informações dos Superiores de quem dependia na Enf.ª T.P./H.M.L. em Nova Lisboa e até do Comando do Grupo de Artilharia de Campanha/NL de quem também dependia, a Direcção do H.M.L. mandou-me regressar da Diligência em que me encontrava desde 28 de Dezembro de 1964. 

APRENDIZAGEM – “profissão/função”

A nomeação, para a Enfermaria de Tuberculosos Pulmonares/H.M.L./Nova Lisboa, sem qualquer experiência Hospitalar e muito menos Economato, incluindo alimentação, foi para mim um mundo novo e ao ter sido contrariado, foi como me tivessem levado para um matadouro.

Bendita a hora, pois as lições recebidas e a noção do dever cumprido, com humildade, humanismo, carinho, sensibilidade e disponibilidade, sempre com muita Fé em Deus e Sua Mãe Nossa Senhora, deram-me forças e saber, para enfrentar e resolver qualquer problema que se me tem deparado pela vida fora, conforme tenho sentido, sendo verdadeiros os ditados populares: “ DEUS NÃO DORME”, “NÃO FAÇAS MAL, COM INTUITO DE TE VIR BEM”, “CONFORME DERES, ASSIM RECEBERÁS”, “QUE A TUA MÃO ESQUERDA NÃO SAIBA O QUE DEU A DIREITA”, etc.

Boa alimentação, aprendendo a confeccioná-la, com muitas luzes para a vida.

Lidar de perto com os que, por vezes, são escorraçados.

O Tuberculoso é um dos doentes mais difíceis, é preciso saber compreendê-lo.

O Tuberculoso não se cura só com a medicação, é preciso boa alimentação e variada.

REGRESSO DA DILIGÊNCIA À ENFERMARIA T.P./HML EM NOVA LISBOA

No dia 13 de Março de 1967 às 08h00, apresentei-me da diligência e logo fui investido pela Direcção e Concelho Administrativo do H.M.L., como responsável pelo Sector da Alimentação (Géneros, Pessoal Civil, Pessoal Militar e Confecção), para um efectivo entre 650 a 700 doentes, 300 praças de serviço, tarefa árdua das 06h00 da manhã às 21h00, para à hora estarem prontas as 10 espécies de comida diária, desde o recebimento dos Géneros na Manutenção Militar, à confecção, distribuição às enfermarias (Doentes), Praças efectivas, Sargentos e Médicos de Serviço; além de ter de dar sempre o nº de telefone ou morada para onde ia, quando saia de casa, era uma exigência da Exma. Direcção, para que o Vaguemestre estivesse sempre presente,

quando houvesse um movimento anormal no Banco de Urgência, que levasse um ou dois blocos operatórios ao funcionamento nocturno, para fornecimento de alimentação extra a todo o pessoal Médico, Paramédico e auxiliar, tendo sido chamado, milhares de vezes, pelos Srs. Oficiais Médicos de Serviço e transportado por uma das ambulâncias de serviço; tendo sido, nestes sete anos de vaguemestria intensa, seguidos, o tempo de total ruína, para toda a minha vida, tudo reconhecido pela Exma. Direcção e Concelho Administrativo com um louvor averbado que diz tudo.

 

CHURRASQUEIRA DA VILA ALICE DE LUANDA

Em Março de 1969, por vontade expressa de minha mulher Maria Augusta Pereira da Silva Moreira Fernandes, depois de grandes obras, começamos com a montagem da Churrasqueira da Vila Alice em Luanda, esplanada do Café, 8 mesas com 4 cadeiras cada, tudo em chapa; recinto do Café, boa e grande sala, com sancas em toda a volta, luz indirecta, com 20 mesas e 4 cadeiras cada, balcão frigorífico devidamente equipado com toda a maquinaria para o bom funcionamento do Café-bar, tendo entre o balcão e a parede um enorme armário expositor, com grande variedade de bebidas desde o Whisky, conhaques, aguardentes, vinhos variados, etc.; seguida de uma boa e espaçosa copa com 2 guichés, com acesso à enorme cozinha, com um grande quarto dispensa recheada de géneros, mesmo em frente, atravessando um corredor, para depois de confeccionados,  abastecer bar, esplanada e o restaurante na parte traseira, com a dimensão de 26 m x 9 m, com a capacidade para 80 mesas com 4 cadeiras cada; ao fundo do restaurante existe uma placa de 9 m x 9m funcionando metade para armazém de bebidas e a outra para casas de banho distintas; por cima da placa com escadaria a começar do fundo lado esquerdo do restaurante, foi criada uma sala de jogos, devidamente arejada, com janelas dobráveis; entre a cozinha e parede do restaurante existe uma grande zona de preparação com duas mesas de ferro de 3m x 1,2 m cada, que servem para preparação dos alimentos e com 4 alguidares de alumínio funcionam como máquina de lavar, talheres, pratos, copos, ladeadas pelas 6 botijas de gás de um lado e de 3 câmaras frigoríficas, do outro, que fazem parede e foi aplicado um portão de abrir para entrada e saída dos clientes de ternos e para que o assador que está a grelhar na churrasqueira traga os assados à janela (Guiché) da cozinha; todo o cliente que passa para o restaurante tem de passar forçosamente em frente ao grelhador, mecanizado manualmente com nove grelhas e uma de 2 m x 1 m fixa; entre o inicio da esplanada do bar e o grelhador existe um corredor de 14 m x 2,5 m coberto com um caramanchão, embora sendo de muita passagem, há quem peça a colocação de mesas neste local, tendo um portão que dá acesso do parque ao inicio do grelhador e daqui para o restaurante.

Só Deus sabe o quanto nos custou financeiramente equipar esta grande casa e quando já estávamos livres de dívidas e respirar fundo, foi tudo para o “maneta”.

Mas a vontade de recomeço existiu sempre.

 

PROMOÇÃO A 1º SARGENTO Q.P. DO S.A.M. EM 01/01/1970

Fui promovido a 1º Sargento do Quadro Permanente do Serviço de Administração Militar em 1 de Janeiro de 1970.

SUBSTITUIÇÃO NA VAGUEMESTRIA E BAIXA AO H.M.L.

Por não poder mais, falta de saúde acentuada, pedi para ser substituído, tendo-o sido a 9 de Janeiro de 1972.

Em 12 de Setembro de 1973, por inchaços anormais que fui acometido, por todo o corpo, em especial cara, olhos, pescoço e falta de ar o Exmo. Capitão Médico Dermatologista Dr. Carlos Gonçalves do Amaral ordenou baixa urgente ao H.M.L., tendo sido iniciada a descoberta de inúmeras mazelas aos 33 anos de idade; que aos 21 anos de idade, quando incorporado não tinha. (SINDROMA URTICARIFORME, COM MANIFESTAÇÕES DE “EDEMA DE QUINCHE”)

 

Foi aberto processo por doença, que seguiu os trâmites normais.

Devido ao despacho de Sua Exa. o General Comandante da Região Militar de Angola de 19 de Novembro de 1973 que a doença não devia ser considerada como adquirida em serviço o Exmo. Capitão Médico Dermatologista Carlos do Amaral não concordou com tal despacho e a seu conselho e da Exma. Direcção do H.M.L., requeri em 3 de Dezembro de 1973 a reabertura do processo, pois mais que ninguém sabiam, visto terem observado “IN LOCO” os sacrifícios dados por mim ao Hospital Militar de Luanda, durante 9 anos.

 

Novo despacho favorável

Em 24 de Junho de l974 Sua Exa. o Comandante da Região Militar de Angola Intº começou por fazer justiça a quem tanto tinha dado a Militares dos 3 Ramos das Forças Armadas em Angola, internados no H.M.L., considerando a doença como adquirida em serviço, pois ele próprio já tinha visto, por mais de uma vez, as péssimas condições em que durante 5 anos se fizeram milagres na confecção da alimentação, para centenas de doentes e Praças de serviço, banquetes nas recepções às altas individualidades, dias festivos e despedida dos Digmos. Oficiais Médicos, não Médicos e Sargentos em final de comissões de serviço.

 

CONCEBIDA EM JUNHO/1972 – NASCIDA EM LUANDA A 23/02/1973

No dia 23 de Fevereiro de 1973 minha mulher Maria Augusta Pereira da Silva Moreira Fernandes, já no fim do tempo de gravidez, ajuda em todo o serviço de preparação dos géneros, para que os 2 cozinheiros e 1 auxiliar, do turno de manhã, confeccionassem, para as refeições servidas ao Pão de Açúcar, a partir das 11h30, para os clientes dos ternos a partir das 11h45, comensais e passantes a partir das 12h00, indo a serventia de almoços até às 15h30, para cima de 550 diariamente.

Fez todo o controle dos empregados de mesa, em número de 5 à semana e só às 14h00 quando começaram os 1ºs sintomas de parto é que largou tudo e a fui levar a uma clínica Junto à Liga Africana na Vila Clotilde – Luanda, estando apenas a parteira de pele e osso, muita idade; fiquei assustado e não arredei pé da sala de partos, assistindo pela 1ª vez ao nascimento de um filho, neste caso filha Paula Alexandra da Silva Moreira Fernandes, às l5hl5 do dia 23/02/1973, correndo tudo às mil maravilhas, voltando para casa Mãe e Filha, por volta das 21h00 e 2 dias depois estava a gerir o serviço na churrasqueira.

Postos de Trabalho:

5 Familiares

5 Cozinheiros (2 Turno de manhã, 2 turno da noite e 1 para as folgas)

1 Ajudante de cozinha (limpeza permanente)

6 Empregados de mesa, sendo 1 o encarregado e recebia como tal.

5 Empregados ao fim de semana, recebem à hora.

 

À espera de melhores dias para mim e familiares, tudo pela água abaixo

Julgando que ia reinar finalmente em mim, um período de certa acalmia, a partir de 9 de Janeiro de l972, data em que fui substituído na vaguemestria /HML e posto em serviços propícios a uma vida totalmente diferente à dos 9 anos anteriores/HML e mais 3 anos no R.I.L., podendo dispensar total apoio e carinho aos meus 3 filhos e Esposa, proprietária desde Março de 1969 da CHURRASQUEIRA DA VILA ALICE, sita na Rua Alberto Correia, 54-58 Vila Alice – LUANDA e residente na mesma Rua, 38 – 1º Esqº., desde Maio de 1963.

Dá-se o 25 de Abril de 1974 e as coisas começam a tomar o rumo de incertezas, para os naturais e radicados em Angola, caso dos meus 3 filhos, eu próprio, que fui para lá em 1958,como civil aos l8 anos e minha mulher que foi em l947 com 4 anos.

 

Tanto a residência de 12 anos, na Rua Alberto Correia, 38 – 1º Esqº; como a CHURRASQUEIRA DA VILA ALICE, propriedade, desde Março de l969 de minha mulher Maria Augusta Pereira da Silva Moreira Fernandes, sita na mesma rua nº 54-58; estavam localizadas na zona mais perigosa de Luanda a partir do 25 de Abril de 1974, pois ficavam no centro do triângulo FNLA, UNITA e MPLA.

 

A MORTE DE UM GRANDE AMIGO E HOMEM DE RESPEITO

Após a morte, com um tiro na nuca, do celebérrimo Enfermeiro Civil de Psiquiatria Preto JOÃO BENGE, homem influente e de respeito, no café Beira Alta, na Rua Senado da Câmara (Vila Alice), dias antes do Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins, que se ia realizar na Cidadela de Luanda (Vila Alice), Maio/Junho de 1974, o despoletar do conflito em força, ninguém conseguiu demover-me da minha intenção de a + ou – 300 metros da churrasqueira às 23h30, após ter chegado a casa, de uma Ultreia dos Cursos de Cristandade, com o casal de Pretos muito amigos Teresa e José Espírito Santo Vieira, deparar com a mãe (velhinha, muito minha amiga) e familiares do amigo João, meus vizinhos, numa gritaria de revolta, avancei para o local onde se encontravam centenas e centenas de pretos, que com o máximo de respeito, me deixaram aproximar do meu amigo João Benge, estendido no chão, com uma grande poça de sangue; tendo também estado presente na missa de corpo presente e funeral, um dos raros brancos presentes, sendo tratado com o máximo respeito e sempre em lugar de destaque, visto saberem a nossa boa relação, como amigo e frequentador assíduo da CHURRASQUEIRA e grande amizade com a família, por sinal meus vizinhos e de posições elevadas na sociedade civil, militar e religiosa.

Celebração dos ACORDOS DE ALVOR, de má memória e entrada dos Partidos (FNLA, UNITA e MPLA) oficialmente em Angola, ficando todos eles radicados na VILA ALICE – LUANDA e a + ou – 400 metros uns dos outros, formando um triângulo, ficando eu, mulher, 3 filhos, Sogros, Residência e Churrasqueira da Vila Alice no centro do mesmo, começando no cruzamento da Rua Alberto Correia com a Fernando Pessoa (Vila Alice) as escaramuças, com um tiroteio dia e noite, do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), com a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e a nossa residência e Churrasqueira a distarem 60 metros para cada lado do cruzamento, num período de 1 (um) ano e tal de ataques constantes, com a agravante da nossa MARINHA enviar da Ilha de Luanda, onde tinham a Base, (OBUSES de grande calibre), para intimidação, a uma distância de aproximadamente 10 km, rebentando a uns 20 ou 30 m de altura, no centro do triângulo dos partidos e por cima da nossa Residência e Churrasqueira.

O desentendimento entre os partidos sempre existiu, embora chegasse e ser constituída uma força conjunta entre os 3 (três) movimentos, mas de pouca dura, visto no dia 7 de Julho de 1975 ter-se dado uma revolta do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), fortemente apoiado, à vista de toda a gente, pelas altas esferas da governação Portuguesa de Angola, civis, militares e religiosas contra a FNLA e UNITA causando a demandada dos seus efectivos, com centenas e centenas de mortos espalhados por todas as ruas da Vila Alice, incluindo o grande amigo Eng.º José Luís (Preto), professor na Escola Industrial, cliente da CHURRASQUEIRA, morto e deixado ficar no meio das mesas da esplanada e um branco pai de 7 filhos que depois de morto o colocaram à entrada, debaixo de um grande caramanchão, onde estiveram uns dias, situação presenciada por mim e meu filho mais velho, quando fomos levar a comida e água a dois cães, um pastor alemão e um perdigueiro. Indescritível e ainda hoje não consigo suster as lágrimas, nunca pensei passar por tanto. 

 

É depois desta data, já com a CHURRASQUEIRA quase encerrada, onde chegamos a dar entre 600 a 750 almoços por dia, incluindo o pessoal em serviço no PÃO de AÇÚCAR de Luanda, fornecimento de ternos, comensais e passantes para comerem as diversas especialidades da casa, que eu, com o agregado familiar, fomos para o Bairro de Salazar, onde meus cunhados tinham uma grande casa, albergando-nos até ao regresso de cada um, para a METRÓPOLE. Momentos difíceis e indescritíveis.

 

FOI HORRÍVEL E QUASE INDESCRITÍVEL     

Foi horrível, quase indescritível, aquilo a que infelizmente assisti, vi e ouvi de 4 de Fevereiro de 1961 a 27 de Agosto de 1975, ininterruptamente, desde o campo de mortos junto ao cemitério da Estrada de Catete, noticiário diário do Holocausto no Norte de Angola e o presenciar “IN LOCO” de 13 de Março de 1967, em serviço efectivo permanente no Estabelecimento Hospitalar – Hospital Militar de Luanda, com a chegada de feridos graves em Helicópteros e Viaturas, dia e noite, com os blocos operatórios em constante funcionamento e a partir do 25 de Abril de 1974, quando os partidos se digladiavam, os mortos eram passeados em carretas mortuárias pelas ruas da Vila Alice e pela Avenida Brasil e os considerados adversários eram amarrados às traseiras dos Jeep’s, carros e arrastados pelas ruas; quando de Sargento de Dia ao H.M.L., inúmeras vezes, acompanhei as ambulâncias a levarem mortos, após o período conturbadíssimo, à morgue de Luanda na Maianga, onde os corpos eram amontoados, chegando ao ponto de decomposição, levados depois por um helicóptero, para uma vala comum, no cemitério novo da MULEMBA, ao km 14 – Estrada da Cuca.

Senhora Preta Grávida com uma bala na testa

Quadro horrível Julho de 1975 de uma Senhora Preta Grávida, no fim do tempo, que foi atingida com uma bala na testa e transportada para o H.M.Luanda, porque os Hospitais civis já não davam vasão, tendo-lhe sido feita uma cesariana, com urgência, pelo Cirurgião Sr. Tenente Miliciano Médico MAK CHUNG TAK, para ver se a criança era salva, mas em vão; e mais uma vez calha-me, estando de Sargento de Dia ao H.M.L., levar mãe e filho, envoltos apenas num lençol branco, em cima da maca e a criança nos braços da mãe, tudo feito com carinho pelo pessoal do Bloco Operatório; ao chegar à Morgue, agarram a perna da criança e atiram-na assim como à mãe, para o monte dos mortos, fiquei perturbadíssimo durante uns dias.

 

EMBOSCADA EM PLENA CIDADE DE LUANDA EM JULHO DE 1975

O Senhor Alferes Miliciano Guimarães, natural de Galegos – Penafiel, quando em Julho de 1975, regressava à Avenida Paulo Dias de Novais – Marginal de Luanda, já de noite, com o Soldado Condutor do Jeep Militar, 1º Sargento da Companhia e um Furriel Miliciano (Açoriano) da Companhia da Policia Militar situada na Estrada de Catete ao lado da Ex-Manutenção Militar e defronte ao Cemitério da Estrada de Catete, foi interceptado junto à já falada 7ª Esquadra da P.S.P., a uns 100 m da Delegação do MPLA – Rua José de Almeida – Vila Alice, por um grupo de homens armados, saídos debaixo de uma ponte, sobre um Rio Seco da Senado da Câmara, que mandaram parar o Jeep, tiraram a arma G 3 que o condutor levava a seu lado, tornaram refém o Furriel Miliciano com a pistola-metralhadora de que se fazia acompanhar, mandaram uma rajada para as traseiras do banco do Senhor Alferes Guimarães, atingindo-o pelas costas e  com uma 2ª rajada esfacelaram a barriga da perna direita do 1º Sargento, que ao ver o Senhor Alferes tombado deitou a perna de fora do Jeep, para fazer força e levantá-lo, seguindo o condutor em alta velocidade para o Hospital Militar, que distava + ou – 1 km, deixando por terra o Furriel Miliciano, que quase instantaneamente foi encontrado abandonado e sem a metralhadora, por uma das patrulhas da Policia Militar (P.M.) que passava de ronda, no local.

De imediato, todas as patrulhas, na rua, comunicaram entre si e seu Major Comandante de Batalhão o sucedido e minutos depois, entraram no Hospital Militar, com os Jeep’s e o Senhor Major no seu Wolksvagam Militar, onde eu me encontrava de Sargento de Dia a este Estabelecimento Militar, por volta das 22h00.

SOS à Companhia da P.M. para vir dar sangue ao HML o que foi feito prontamente, com 2 (duas) G.M. C.’s repletas, passando pela zona de ataque (7ª Esquadra) onde momentos antes se dera a horrorosa emboscada.

De imediato o Senhor Major Comandante do Batalhão da P.M., reuniu-se com as Patrulhas de Ronda à Cidade no H.M.L., inteirando-se do sucedido, pediu uma arma G 3 a um dos Soldados que se encontrava na urgência e disse para as Patrulhas da PM: “Sigam-me” e dirigiu-se para a Delegação do MPLA (Vila Alice), visto, nesta data, apenas existir este Movimento de Libertação em Luanda, pedindo responsabilidades ao que recusaram.

Levado o acontecimento, gravíssimo, ao conhecimento do COMDEL (Comando Militar de Defesa de Luanda) Exmo. Senhor Coronel Almendra, este fez um ultimato ao MPLA, para até às 08h00 serem entregues os responsáveis e as duas armas saqueadas.

Como nada disseram, nem entregaram, foi levada a cabo uma operação conjunta dos Comandos e Dragões, para um cerco à Delegação do MPLA (Vila Alice) onde se encontravam, nas masmorras da Delegação e no Campo da Tourada, ali perto, bastantes reféns brancos e pretos, alguns acabados de serem mortos, para não falarem o que sabiam. Foi mais um dia de baixas horrível na Delegação e por toda a Vila Alice, pois tentaram resistência e com as Tropas Comandos e Dragões não brincaram.

 

REFUGIOS OU ESCONDERIJOS MAIS DIVERSOS

Não houve sossego durante (1,5) um ano e meio e quando o tiroteio começava procuravam-se refúgios ou esconderijos mais diversos, dormidas acumuladas resguardadas por duas paredes e assim viviam as famílias em condições desumanas, até que minha mulher, com os três filhos de 10, 9 e 2 anos de idade respectivamente, embarcaram de avião para a METRÓPOLE definitivamente em 28 de Julho de 1975.

 

O DESALENTO TOTAL PARA CONTINUAR EM ANGOLA É EM 7 DE JULHO DE 1975

Não havia mais tempo a perder e a 1ª coisa foi pedir uma audiência ao Exmo. Senhor General Silva Cardoso, da Força Aérea, Comandante da Região Militar de Angola, pedindo-lhe que me autorizasse mais cubicagem para a transferência de móveis, visto a regra geral para os militares ser de 4,5 m3, quer estivesse em comissão 1, 2, 3, 4 anos ou 17,5 anos que era o meu caso e do Recrutamento de Angola, ininterruptamente.

Fui extraordinariamente atendido e com um cartão dele fui ao R.I.L., onde funcionava a Secção de Transportes/Q.G./R.M.Ag., chefiada pelo Sr. Tenente-coronel Mário Firmino Miguel que ao ler o cartão do Senhor General e me ouvir atentamente, de imediato me mandou ir ter aos Armazéns da Chibera na Boavista, junto ao Porto de Luanda e com um cartão que me deu, ir ter com o 1º Sargento de Infantaria Catana, que ele tudo resolveria, na questão de recolha de caixotes, que fosse fazendo, sem olhar à cubicagem.

De imediato fui ter com o 1º Sargento Catana, tendo ficado tudo resolvido, só esperava que eu entregasse caixotes, pois reservava um lugar, para ficarem todos juntos.

Fui com uma viatura pesada do H.M.L. à Serração Almeida no Muceque Rangel, a única em funcionamento em Luanda e comprei 50.000$00 (50 contos) de tábuas de mogno com 0,70 m de largura e 4,5 m de comprimento e 0,04 m de espessura.

Com três viaturas militares pesadas, mais transporte para um pelotão armado até aos dentes, militares conhecidos, carreguei 1º o que estava na Residência, desarmado ou não e uns metros abaixo, na mesma rua fiz o mesmo na CHURRASQUEIRA DA VILA ALICE.

Tudo carregado, nas 3 viaturas militares e prontos a arrancar, começam a ouvir-se tiros esporádicos em direcção às nossas viaturas, dando tempo a que os militares que levava, se recompusessem e mandando uma rajada de uns segundos e meia dúzia de granadas, tudo serenou e sem distúrbios até ao H.M.L.

Feito o descarregamento, no grande largo da Capela, foi só encaixotar dia e noite, levando pouco a pouco, para os Armazéns Militares da Chibera.

Chega o Navio “PANRANS” e no dia 24 de Agosto de 1975 sou avisado pelo 1º Sargento Catana e num ápice tudo é embarcado e os meus caixotes devidamente numerados ficam no cimo do porão colocando-lhe, por cima, apenas a tampa.

Satisfeito comigo próprio, fui agradecer ao 1º Sargento Catana, Sr. Tenente-coronel Mário Firmino Miguel e por último ao Senhor General Silva Cardoso, que me perguntou pelo meu agregado familiar, dizendo-lhe que andavam à deriva, visto os meus filhos terem nascido em Angola e a minha mulher com 32 anos ter vindo para Angola com 4, não conhecendo nenhuns familiares, ficou comovido dizendo-me: “No dia 28 há um voo militar, queres ir?” Respondi logo, chorando que nem uma criança: “Quero sim, Meu General”; continuando disse: “Pelas informações que tenho a teu respeito bem o mereces, felicidades para ti e que encontres todos os teus, esposa e filhos de boa saúde”, fiquei admiradíssimo visto estar estipulado que os militares do Recrutamento de Angola só viriam no final, após a Independência a 11 de Novembro de 1975.

 

Tratei das últimas coisas que tinha a tratar e só descansei quando tinha a guia de marcha na mão, foi-me entregue no dia 27, e no Aeroporto Craveiro Lopes, na manhã do dia 28 de Agosto de 1975 o avião da T.A.P. levantou voo e sobrevoando LUANDA, mostrando-me os imóveis que tanto custaram a pagar e a construir durante 17,5 anos ininterruptos, chorei que nem uma criança, com uma mágoa e aperto de coração que me ficou para sempre.